Por: ISMAEL JEFFERSON
Para garantir a disponibilidade de medicamentos excepcionais, de alto custo, aos usuários que não têm condições de adquiri-los, as contas do Governo do Estado têm passado por constantes bloqueios. Somente na gestão atual foram bloqueados R$ 35.292.651,70 pela justiça potiguar mediante 2.004 processos. No total, desde 2016, ficaram retidos R$ 41.471.650,25 pela justiça para garantir a medicação gratuita dos pacientes através de 3.199 demandas judiciais.
Os números estão no sistema GPSMed (gpsmed.tjrn.jus.br) lançado em julho passado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte com Análises da Judicialização na Área da Saúde no Estado desde 2016. A ferramenta também inclui as demandas judiciais contra os municípios e aponta processos arquivados, que já foram finalizados, ou que ainda estão pendentes e ainda não sentenciados, mas que também houve bloqueio, por meio de liminar.
Nesta semana, por exemplo, o juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de Natal, Airton Pinheiro, determinou o bloqueio online de R$ 8.072.683,14 nas contas do Governo do Estado para que sejam direcionados à compra de medicamentos excepcionais, de alto custo, aos usuários cadastrados no Programa para recebimento dos medicamentos previstos no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF, sob a responsabilidade do Estado.
São remédios para tratamento de doenças como glaucoma, pressão alta e doenças respiratórias crônicas, por exemplo. Mas também medicações para tratamento de pacientes com alguns tipos de câncer (intestino, mama, próstata), ou ainda doenças hepáticas, dos ossos, esquizofrenia, esclerose múltipla, paresias consecutivas à poliomielite e lúpus.
O problema não é recente. Os pacientes que fazem parte da Associação das Pessoas Acometidas por Lúpus Eritematoso Sistêmico (APALES/RN) conhecem bem essa realidade. A coordenadora Geral da entidade, Jackeline Dionisio, explica que cerca de 350 pacientes dependem do sulfato de hidroxicloroquina para controlar a doença, que é inflamatória crônica de origem autoimune, ficam com o estado de saúde debilitado, podendo perder órgãos e membros do corpo e até chegar a óbito.
Isso já aconteceu quando, há poucos anos, faltou a medicação para usuários cadastrados no Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), cuja distribuição é feita pela Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat/RN). “Nós da associação, desde o início da pandemia lutamos pela medicação e conseguimos por uma liminar na justiça. Os pacientes de lúpus sofreram bastante. Tivemos perda de pacientes que vieram a óbito. O paciente precisa do remédio para preservar os órgãos do seu corpo.”, explicou.
A medicação estava em falta desde a gestão anterior. “Fazia mais de dois anos que a gente não recebia. Parece que havia débitos da Unicat com o fornecedor. Veio a pandemia e piorou. Se torna pesado para o paciente porque precisa usar outras medicações e protetor solar permanente”, explicou.
Pacientes
Os pacientes de Lupus não têm direito a benefícios e também não conseguem trabalhar devido os sintomas da doença, que causam apatia, apesar da medicação.
Na Unicat o remédio não está mais em falta. A dona de casa Ana Santana, 45, disse que tem recebido com frequência, mas que não consegue se imaginar sem receber a medicação.
“Eu posso ter recaída se isso acontecer e até ficar internada. Se eu mantiver a medicação, não tenho a mesma qualidade de vida que uma pessoa sem a doença, mas pelo menos não pioro. Então fico muito feliz de vir aqui e saber que o medicamento está disponível”, disse ela.
Já a autônoma Adjane Maria, 46, sabe bem o sofrimento de ficar sem os medicamentos. Ela também tem lúpus, mas agora conseguindo recebê-los na Unicat. “Já cheguei a ficar sem a e foi um desespero porque o ciclosporina não encontro na farmácia, então os sintomas aumentam e a gente fica muito mal. Além disso, tem o peso nas contas porque a gente não conseguiria dar conta de todos os medicamentos”, ressaltou a paciente.
Falta de insumos influencia carência
O problema da falta de medicação no Programa do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica - CEAF vai além dos recursos e passa também pela dificuldade de encontrar fornecedores e do Estado conseguir negociar com esses. Até a última sexta-feira (7), não havia nenhum medicamento indisponível na Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat).
Esses insumos são divididos nos grupos 1.A, cujo envio é de responsabilidade do Ministério da Saúde ; 1.B e 2, que estão sob a responsabilidade do Governo do Estado.
Dos 114 lotes do grupo 1.A, havia 39 aguardando distribuição do Ministério da Saúde. Dos 36 do grupo 1.B estavam 22 em licitação e do grupo 2, também estavam em licitação 21 dos 49.
Thiago Vieira, diretor administrativo da Unidade Central de Agentes Terapêuticos (Unicat) explicou que os pacientes podem se manter informados sobre a disponibilidade dos medicamentos pelo portal (www.unicat.rn.gov.br). Ele justifica que as demandas judiciais e a falta de medicamentos acontecem desde as gestões anteriores e que se intensificou nos últimos anos devido a escassez no mercado para alguns desses, inclusive nas farmácias comerciais, devido a demanda por importação de insumos que o Brasil não produz, problema que até o Ministério da Saúde enfrenta.
Além disso, por se tratar de medicamentos para atender desde pacientes com asma até aqueles com câncer e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), doença rara degenerativa do sistema nervoso, que acarreta paralisia motora progressiva e irreversível, não tantos fornecedores no mercado e nem com preços acessíveis.
“Então, você tem um número reduzido de fornecedores para disponibilizar esse insumo e o que a gente tem visto nos processos em aquisição é que, em muitos desses processos, a secretaria abre e, ou ela não consegue cotação para adquirir, ou esse processo não tem fornecedor com uma proposta de preço superior ao limite por insumo que, por lei, o Governo pode pagar, para não ser acusado de improbidade administrativa”, explicou.
Nesse caso, com autorização da justiça, não há impedimento. No caso do bloqueio recente de R$ 8 milhões, Thiago diz que a Secretaria de Saúde do Estado (Sesap/RN) junto com a Unicat está dialogando com o Ministério Público, que foi o autor da ação. “A gente tem feito esses estudos com a coordenadoria de compras da Sesap para apresentar ao Ministério Público e ao judiciário para que eles possam decidir porque, na prática, se eu bloquear R$ 8 milhões e não tiver quem venda, eu continuo com os valores bloqueados mas sem ter conseguido comprar um medicamento e sem alcançar o objetivo que é garantir essa medicação aos pacientes”, pontuou o diretor da Unicat.
Para o presidente da Comissão de Direito da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil/RN, Renato Dumaresq, a indisponibilidade dos medicamentos e o risco que isso causa aos pacientes levam à medidas drásticas como a do juiz Airton Pinheiro no bloqueio dos R$ 8 milhões das contas do Estado do RN.
Dumaresq já conseguiu também na justiça o bloqueio de recursos para a compra de medicamentos dos pacientes com Lupus. “Quando a gente deu entrada nessa ação, já fazia três anos que a Unicat não fornecia essa medicação. O Estado, além de não comprar, tem muita dificuldade em ser interessante para os fabricantes dos medicamentos. Talvez pela maneira como eles lidam com os contratos, há muita dificuldade com os orçamentos para a compra do Estado e os fabricantes não terem interesse em fechar contratos”, explicou.
Ele conta que essa dificuldade do Estado fechar contrato ficou clara quando conseguiu a liminar na justiça e foi feito contato com os fornecedores. “O juiz determinou que a gente fornecesse esses orçamentos para que houvesse o bloqueio das verbas e a gente pudesse comprar diretamente com os fornecedores. Mas os vendedores disseram que não tinham interesse em fechar qualquer tipo de contrato que envolvesse o Estado”, disse ele.
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Números
2016 a 2018
1.115 processos
R$ 6.178.998,55 bloqueados
2019 a 2022 (gestão atual)
2.004 demandas judiciais
R$ 35.292.651,70 bloqueados
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