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17 setembro 2023

Descumprimentos de medidas protetivas crescem 59,6% no RN

POR ISMAEL JEFFERSON

No último dia 5 de agosto, Marigel Custódio Filho, de 29 anos, manteve a ex-companheira e dois filhos reféns durante 15 horas na casa em que ela vivia, em Macaíba, na Região Metropolitana de Natal. O cárcere, marcado por agressões e ameaças, só terminou quando policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) arrombaram a porta da residência e resgataram as três vítimas com vida. O homem, preso em flagrante, havia descumprido uma determinação judicial de não se aproximar da mulher. O caso aponta para um cenário preocupante: o número de descumprimento de medidas protetivas no RN passou de 387 nos primeiros sete meses de 2022 para 618 no mesmo período deste ano, um aumento de 59,6%.

Os dados são da Coordenadoria de Informações Estatísticas e Análises Criminais (COINE), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed). Para a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN), Érica Canuto, garantir a efetividade das chamadas Medidas Protetivas de Urgência (MPU) é fundamental para evitar casos de feminicídio. Canuto é  titular da 68ª Promotoria de Justiça (PmJ), responsável pelo Protocolo Girassol, iniciativa que busca manter a efetividade das medidas. “O que mais deve importar é a proteção da mulher e a saída dela de um ciclo constante de violência”, afirma a promotora.

De acordo com a delegada Helena de Paula, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), o descumprimento de medidas protetivas configura crime previsto no artigo 24-A, da Lei Maria da Penha, que prevê pena de detenção de três meses a dois anos e pode ensejar decretação de prisão preventiva ou prisão em flagrante delito. Segundo ela, alguns fatores levam ao descumprimento das medidas, como desrespeito à justiça,  desinformação e minimização de  conduta por parte do agressor ao desobedecer a uma ordem judicial.

“Nesses casos, a vítima deve procurar a delegacia e noticiar a prática criminosa. Se o suposto autor estiver em situação de flagrante delito, deve-se acionar a Polícia Militar, por meio do 190”, orienta a delegada. Para a psicóloga Luana Cabral, é fundamental que as redes de apoio estejam cientes do tipo de violência sofrido pelas vítimas e saibam do descumprimento para que possam dar o suporte necessário.

Na capital e no interior, há equipamentos que podem auxiliar nessa proteção, como o centro de referência Elisabeth Nasser , em Natal, ou o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), no interior. “O importante é que a mulher saiba que não está sozinha e que sejam fornecidas a ela todas as possibilidades de acompanhamento”, explica.

Luana também é membro do Conselho Estadual de Direitos das Mulheres (CEDIM), do Conselho Regional de Psicologia do RN. Ela chama atenção para a possibilidade de desinformação, por parte das mulheres, sobre a rede de apoio existente. “Nesse cenário, cabem ao Estado e às secretarias municipais a divulgação do que existe naquele território em termos de rede de proteção e garantia de direitos”, pontua. A psicóloga alerta para os efeitos que o descumprimento pode provocar nas vítimas.

“Para a pessoa em situação de violência, o descumprimento da MPU pode gerar um estado de alerta constante, tensão, medo e ansiedade. Numa perspectiva sociocultural, isso pode apontar para uma espécie de ‘ataque’ a todas as mulheres. Infelizmente, não é algo pontual o descumprimento da medida”, descreve.

Estado registra cerca de 16 pedidos por dia
Segundo dados da plataforma Proteger, do Tribunal de Justiça do RN (TJRN), neste ano, entre janeiro e a última sexta-feira (15), foram solicitadas 4.202 medidas protetivas no Rio Grande do Norte, ou cerca de 16,3 pedidos por dia. Deste total, foram 3.426 medidas concedidas, 356 concedidas em parte e 420 não concedidas. A promotora Érica Canuto, do MPRN, explica que a solicitação precisa ser feita exclusivamente pela vítima e que existem alguns meios para que isso aconteça.

“O pedido pode ser feito na delegacia, no Ministério Público ou na Defensoria Pública, com auxílio de um advogado ou não. A vítima narra a violência e pede proteção”, descreve a promotora. Além disso, desde o dia 31 de agosto, o Governo do Estado disponibilizou um sistema para a solicitação de MPU de forma on-line, por meio do site da Polícia Civil. Para isso, é preciso ter um login com uma conta gov.br. “O link para pedir a medida está no nosso site, onde a mulher poderá clicar na aba ‘violência doméstica’, registrar os fatos com o máximo de informações possíveis, e selecionar, no mesmo ambiente, as medidas que tem interesse”, detalha a delegada Helena de Paula, da DEAM.

Após isso, o pedido chega à delegacia competente, que encaminhará a solicitação ao poder judiciário. A partir do caso narrado, o juiz determina qual tipo de medida será estabelecida. “Os artigos 22 e 23 da Lei Maria da Penha fazem um rol de proteção, que não é exaustivo, ou seja, pode ser ampliado. O juiz pode determinar que o agressor não se aproxime da vítima, não faça contato por redes sociais ou não interaja com amigos e familiares da mulher”, esclarece Érica Canuto, do MPRN.

“Pode ser determinado também que o homem saia de casa, além de restrições a porte de armas e visita aos filhos ou outros”, acrescenta a promotora, ao explicar o que significa cada tipo de concessão. “Medida concedida significa que o pedido foi deferido da forma como a vítima pediu; medida concedida em parte quer dizer que o juiz decidiu estudar alguma parte do pedido – nesse caso, se necessário, ele pode conceder a solicitação por completo mais tarde”.

A medida não é concedida, geralmente, quando a mulher narra episódios muito antigos de violência, mas que não se repetiram depois. Canuto esclarece que, nesses casos, o agressor deve ser punido pela violência cometida, mas a MPU só se justifica para situações de risco na ocasião em que o pedido é feito. “Como o próprio nome indica, é uma medida protetiva de urgência”, esclarece.

Protocolo Girassol
Criado em janeiro deste ano, o Protocolo Girassol é uma inciativa da 68ª Promotoria de Justiça (PmJ) de Natal para monitorar e priorizar os processos de descumprimento de medidas protetivas no Estado. Érica Canuto, titular da 68ª PmJ, explica que o objetivo é fazer o acompanhamento  de forma prioritária, uma vez que a MPU, conforme aponta, precisa ser efetiva. A entrada da vítima no projeto se dá de forma automática, a partir do momento em que a Promotoria é avisada do descumprimento. Atualmente, quase 100 mulheres integram o Protocolo.

O comunicado sobre o não cumprimento pode ser feito pelas delegacias ou pela própria vítima junto à secretaria das Promotorias de Defesa da Mulher (pelo telefone 84 99620-8046, neste último caso). “Na hora em que o descumprimento é noticiado, o protocolo é fazer o acolhimento da mulher imediatamente. Se for o caso, a gente solicita a prisão do agressor, mas outras ações podem ser efetuadas, como advertência ou o uso de tornozeleira eletrônica para ele, e do botão do pânico para ela”, acrescenta a promotora.

Segundo ela, nas situações em que os dispositivos são instalados, o monitoramento passa a ser feito como em uma espécie de uso de GPS. “Na tornozeleira são cadastrados os locais que o agressor não pode passar. Se ele se aproxima da mulher, um sinal é enviado à vítima em forma de bip para o botão do pânico e, na mesma hora, ela recebe um telefonema da Central de Monitoramento Eletrônico”, relata.

A partir daí é feita uma checagem do local onde a mulher está e uma viatura é encaminhada para confirmar se o homem está na área de cobertura ou próximo dela. Além disso, o protocolo conta com apoio da Patrulha Maria da Penha. Ainda segundo Canuto, o Protocolo possui um Prontuário Individual de Gestão de Risco, por meio do qual ocorre um contato semanal com cada mulher. O formulário foi elaborado por dois Conselhos Nacionais (de Justiça e do Ministério Público) e traz informações sobre os tipos de ameaça sofridos pela vítima e casos de descumprimento de medida anteriores.

O modelo já foi apresentado no Distrito Federal, Piauí e Maranhão, que demonstraram interesse em adotar o projeto. O Protocolo Girassol conta  com parcerias com instituições privadas para a oferta de serviços de práticas jurídicas. Recentemente, um levantamento sobre o grau de escolaridade e empregabilidade das mulheres foi iniciado. “A ideia é firmar parcerias com a Educação de Jovens e Adultos com o intuito de formar essas mulheres na Educação Básica para que, que após isso, elas consigam emprego”, afirma.

“O projeto nasceu para que as vítimas ganhassem mais confiança na MPU, porque não é incomum a mulher pedir medida protetiva e depois retirar. Nesse sentido, não houve nenhuma desistência por parte das integrantes do Protocolo”, comemora a promotora.


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