Assessores do ministro da Justiça, Flávio Dino, receberam dentro do prédio do ministério uma integrante do Comando Vermelho duas vezes neste ano. Conhecida como “dama do tráfico amazonense”, Luciane Barbosa Farias esteve em audiências com dois secretários e dois diretores da pasta de Dino num período de três meses. O nome dela não consta das agendas oficiais.
Procurado, o Ministério da Justiça admite que a “cidadã”, como se referem a Luciene, foi recebida por secretários do ministro Flávio Dino, mas afirma que ela integrou uma comitiva e era “impossível” o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. Leia a nota na íntegra ao fim da matéria. Agendas públicas de autoridades costumam trazer informações sobre os demais participantes das reuniões, e não apenas da pessoa que pediu a agenda. A falta de controle pode inclusive representar um risco para os servidores.
Luciane é casada há 11 anos com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, considerado o “criminoso número um” na lista de procurados pela polícia do Amazonas, até ser preso em dezembro passado. Ela e o marido foram condenados em segunda instância por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. Tio Patinhas cumpre 31 anos no presídio de Tefé (AM). Luciane foi sentenciada a dez anos e recorre em liberdade.
No Amazonas, o marido de Luciane ficou conhecido por ostentar a “fama de indivíduo de altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia”. O Ministério Público relata que ele possui poder econômico advindo do tráfico de drogas e costuma ser cruel com seus devedores, “ceifando-lhes a vida sempre que os crimes em que se envolve lhes torna credor”, segundo um trecho da denúncia do procurador Mário Ypiranga Monteiro Neto, de agosto de 2018.
Os métodos violentos de Tio Patinhas marcam a crônica policial do Amazonas. Em abril de 2019, um homem foi encontrado morto em Manaus com um cartaz no rosto: “devia Tio Patinhas”. Num ataque a um motel, um homem foi morto com tiro na cabeça e outro ficou ferido, ambos vítima de execução comandada pelo traficante. Tio Patinhas também já posou para foto segurando uma metralhadora de artilharia antiaérea calibre .30, capaz de abater aeronaves e atravessar veículos blindados.
Sobre Luciane, o Ministério Público do Amazonas aponta que ela atuou como o “braço financeiro” da operação do marido. “Exercia papel fundamental também na ocultação de valores oriundos do narcotráfico, adquirindo veículos de luxo, imóveis e registrando ‘empresas laranjas’.” Graças ao trabalho, ela “conquistou confiabilidade da cúpula da Organização Criminosa ‘Comando Vermelho'”, detalha a acusação.
Clemilson e Luciane se casaram em 30 de outubro de 2012. Na época, ela abriu um salão de beleza que, segundo os investigadores, era usado para lavar dinheiro do tráfico. O casal prosperou: a declaração de Imposto de Renda de Luciane apresentava bens de R$ 30 mil em dezembro de 2015. No ano seguinte, passou para R$ 346 mil, alta de 1.053%. Segundo os investigadores, os dois também eram donos de ao menos três imóveis no Amazonas e em Pernambuco, além de seis veículos (sendo uma moto, três carros e dois caminhões).
Em maio, Luciane entrou no Ministério da Justiça como presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA). No papel, uma ONG de defesa dos direitos dos presos e que, segundo a Polícia Civil do Amazonas, atua em prol dos detentos ligados à facção. Criada no ano passado, a organização também seria financiada com dinheiro do tráfico, de acordo com investigação sigilosa à qual o Estadão teve acesso.
96 FM
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