As audiências de custódia
soltaram 5.819 presos nos últimos dois anos no Rio Grande do Norte. Isso
significa que 51,25% das pessoas levadas às audiências no Estado em 2022 e 2023
não permaneceram presas. No total, foram realizadas 11.352 audiências, nas
quais 5.504 pessoas tiveram a prisão decretada. Vinte e nove pessoas ficaram em
prisão domiciliar. Isso significa que as audiências de custódia mais soltaram
do que prenderam nos últimos anos. O fato de nem todos os acusados permanecerem
presos e alguns desses voltarem a cometer crimes até mais graves levanta o
debate se essas audiências prejudicam o trabalho da segurança pública.
O
mérito do delito é observado para fins de analisar se, em tese, houve ou não a
prática do crime, ou seja, não se trata do momento em que o suspeito é julgado
e condenado.
“A
legislação exige alguns requisitos para que a pessoa seja presa
preventivamente. Do contrário, sob pena de incidir em crime de abuso de
autoridade, o juiz não tem como decretar prisão preventiva. E aí se imputa ao
juiz e à audiência de custódia uma frouxidão que nós temos na legislação”,
avalia o magistrado.
Entre
esses critérios, o crime precisa ser doloso com pena prevista acima de quatro
anos de detenção; haver reincidência e condenação anterior por outro crime
doloso após a maioridade, ou descumprimento medidas cautelares. Também quando
houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa e, ainda, se o crime envolver
violência doméstica e familiar. Caso o indivíduo já tenha sido levado a outras
audiências de custódia, os critérios são os mesmos, muito embora seja analisada
a gravidade da reincidência e a garantia da ordem pública.
Recentemente,
ganhou repercussão em Natal o caso de um suspeito que passou por sete
audiências de custódia pelo mesmo crime de furto qualificado contra o
patrimônio. Segundo o juiz Diego Dantas, neste caso, o acusado não tinha
passagem pelo poder judiciário enquanto maior de idade, além de se tratar de um
crime com pena menor que quatro anos, fatores que impediam a prisão. “Naquele
momento, o juiz que presidiu a audiência, de forma acertada, o colocou em
liberdade, porque na certidão de antecedentes dele, enquanto maior, ele não
tinha tido nenhuma passagem. Ele teve algumas passagens enquanto era menor, mas
cumpriu os atos infracionais”, relata.
Quando
o acusado não vai para a cadeira podem ser adotadas outras medidas, além da
liberdade, como medidas cautelares e prisão domiciliar.
O
juiz da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar, destaca que o
objetivo das audiências é melhorar a qualidade das prisões. “É fazer análise rápida
para que as pessoas que precisem estar presas fiquem. As pessoas que terminam
soltas é porque o juiz não verificou motivos legais ou houve algo errado no
flagrante”, assegura.
Ele
ressalta que mesmo que o senso comum entenda que qualquer prática de crime deve
resultar em prisão, legalmente isso não pode acontecer. “A lei brasileira não
permite que todo mundo deve ficar preso automaticamente ao cometer um delito.
Um dos motivos da custódia é evitar que aconteça abuso nas prisões.
Se
um policial se excede nessa hora o juiz pode mandar apurar. Isso pode deixar
alguns chateados”, aponta Henrique Baltazar.
“Liberação de presos fragiliza o
nosso trabalho”, dizem policiais
Entidades
que representam profissionais da segurança pública criticam a liberação de presos,
que consideram excessiva, nas audiências de custódia e chegam a considerar que
os magistrados estão adotando essas audiências como “política de
desencarceramento”, de modo a comprometer o trabalho das forças de segurança.
“A
audiência de custódia está se servindo para desencarcerar bandidos. A gente
observa que os critérios que os juízes estão adotando são muito flexíveis com a
bandidagem”, reclama o subtenente da Polícia Militar, Eliabe Marques,
vice-presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais Militares e
Bombeiros Militares do RN (ASSPMBM).
Ele
defende que a prisão preventiva dos suspeitos precisaria ser mais aplicada. “E
aí a gente diz, não, mas o preso preenche aqueles requisitos, mas a gente vê
que não é isso que está acontecendo. A gente tem visto criminosos contumazes
sendo liberados. Essas decisões enviesadas da justiça, fragilizam o trabalho
policial e potencializam, ou seja, fortalecem a atividade criminal”, afirma o
subtenente.
Segundo
ele, 60% dos suspeitos presos pelos atentados em série ocorridos em março de
2023, tiveram relaxamento da prisão, mesmo depois de um trabalho reforçado das
polícias para capturá-los. Não foi possível a reportagem confirmar esse dado
com o TJRN, contudo, observa-se que a partir daquele mês, o número de
audiências de custódia aumentaram sucessivamente ao longo do ano. Em março e
abril foram realizadas 1.127 audiências, com 539 detidos postos em liberdade e
586 mantidos, além de duas prisões domiciliares. Houve 56 relatos de tortura
e/ou maus tratos.
O
soldado PM Carlos Cortez, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da
Polícia Militar (ACSPM/RN), reforça que liberar presos nas audiências é algo
que vai de encontro ao desejo da sociedade que pede punição aos que cometem
crimes. “Os presos liberados em decorrência da audiência de custódia trazem uma
sobrecarga ao sistema de segurança pública, pois sabemos que na maior parte dos
casos de crimes como roubo e furto, os criminosos voltam a cometer e geram mais
trabalho para os operadores de segurança pública”, disse ele.
Para
os membros da polícia que estão nas ruas, o sentimento é de frustração, segundo
conta. “Todo o esforço empreendido parece irrelevante, haja visto que os
criminosos voltam para as ruas, o que gera um sentimento desmotivador de que a
agente de segurança pública está enxugando gelo, em total de sensação de
impotência”, afirma.
Para
o defensor público Sidney de Castro, que coordena o Núcleo de Assistência aos
Presos Provisórios e seus familiares (NUAP), não há dados empíricos indicando
que as audiências de custódia aumentaram o número de crimes ou a recidiva dos
suspeitos. “Empiricamente não há nenhum dado técnico sobre isso. As audiências
não mudaram a sistemática de decisão judicial sobre a crime. O que acontece é a
visão do magistrado sobre as particularidades. Não acredito que essas críticas
tenham consistência ou que as audiências dificultam o trabalho policial”, diz
ele.
A
maior parte dos crimes que chegam às audiências é de roubo, furto, tráfico e
violência doméstica. “Desses, no que tem violência e ameaça, no caso do roubo,
dificilmente a pessoa é solta. Além disso, o juiz tem que decidir com o que tem
nos autos”, reforça o defensor.
Violência doméstica
Em
casos de violência doméstica, os critérios observados precisam estar de acordo
também com Lei Maria da Penha. Segundo divulgou o TJRN, as audiências de
custódia desse tipo de crime deram um salto de 75% em 2023 em Natal e mais 29
cidades do estado, em comparação com o ano anterior.
Fonte CNJ
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