O segmento de Gás Natural
veicular (GNV) do Rio Grande do Norte vive uma crise – uma das piores da
história, conforme fontes do setor ouvidas pela reportagem – em razão do
aumento no preço do combustível nos últimos anos. De acordo com dados do
Detran-RN e da Potigás, distribuidora de Gás Natural no Estado, o número de
instalações do sistema, que inclui a adesão ao chamado kit de conversão, caiu
de 3.130 em 2022 para 1.711 no ano passado – redução de 45,33%. Por outro lado,
as retiradas do kit GNV tiveram alta de 56,25% no mesmo período (passaram de
512 em 2022 para 800 em 2023, ou seja, 288 exclusões a mais).
Com a escalada, as oficinas de instalação e inspeção de GNV sentiram o impacto.
Conforme relatos colhidos pela TRIBUNA DO NORTE, em algumas delas, a procura
pelo serviço reduziu em até 80%. As perdas de receita, consequentemente, seguem
o mesmo patamar. José Antônio Rodrigues mantém três lojas de instalação no Rio
Grande do Norte – duas em Natal e uma em Parnamirim. Ele conta que, em uma
única oficina, até o início de 2022, fazia, em média, de 15 a 20 instalações
por semana. Em dezembro passado foram apenas seis durante o mês inteiro. O
impacto da fuga de clientes é observado no faturamento e no quadro de
funcionários.
“Em cada uma das lojas eu tinha um faturamento médio mensal de R$ 300 mil.
Hoje, não consigo faturar mais de 80 mil”, conta Rodrigues que, além de
instalação, oferece o serviço de manutenção de veículos movidos a GNV, o que
ajuda a manter o movi-mento nas oficinas. Com a baixa pro-cura, o quadro de
funcionários também foi afetado. “Atualmente tenho quatro colaboradores na loja
de Nazaré (antes eram nove), dois na [unidade da] Mor-Gouveia (antes eram
cinco) e dois em Parnamirim (antes eram quatro)”, detalha.
Na oficina de Washington Viana, no bairro de Dix-Sept Rosado, na zona Oeste da
capital, a situação também é preocupante, segundo ele. Viana atua no ramo há
cerca de 20 anos e, portanto, afirma convicto: “Nós nunca passamos uma fase tão
ruim quanto a que estamos agora”. Ele conta que as instalações semanais
reduziram algo em torno de 25 para três, no máximo. “Tem semanas que a gente
não faz nenhuma”, revela. O impacto no rendimento da loja foi imediato,
conforme ele afirma.
“Nosso receita caiu de 70% a 80%. Estou em negociação com o banco, credores,
fornecedores e até mesmo com o proprietário do imóvel, que é alugado, para
contornar a crise. Não está fácil”, desabafa. Washington Viana conta que os
serviços de manu-tenção, por enquanto, garantem algum respiro. Mas o temor é
que daqui a um tempo nem isso seja mais suficiente para abrandar a crise. “Na
terça-feira (16), eu liberei cinco orçamentos para retirada de equipamento.
Esse é o pior termômetro que o sistema pode mostrar. As retiradas têm aumentado
substancialmente aqui na loja (algo em torno de 20% a 30%)”, descreve.
A exemplo de José Antônio Rodrigues, o quadro de colaboradores da empresa de
Viana sentiu os efeitos e precisou de cortes. “No pico das instala-ções, que
ocorreu bem no período em que o preço da gasolina aumentou muito, nós tínhamos
oito colaboradores e hoje estamos apenas com três”, afirma Washington Viana. A
baixa procura por instalações atinge, ainda, quem trabalha com inspeção
veicular.
É o caso de Cida Fernandes, que destrincha em números os impactos da escalada
de preços do GNV. “Trabalho no segmento há cinco anos e 2023 foi o ano com
menor taxa de inspeção realizada desde então. Até 2022, nós fazíamos um média
de 900 carros/mês. No ano passado, a gente não conseguiu passar de 600/mês. E o
nível de retirada de GNV também foi o maior desses cinco anos, principalmente
para o pessoal do interior, onde os preços estão ainda mais altos”, pontua.
Empresas reclamam da falta de
incentivos para o consumo
Para
as fontes ouvidas pela reportagem, faltam incentivos para o consumo do Gás
Natural Veicular (GNV) no Rio Grande do Norte. A isenção ou redução de tributos
seria uma saída, a exemplo do que ocorreu com a alíquota modal do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a gasolina em 2022. José
Antônio Rodrigues, proprietário da GNV Auto Center, reclama da falta de
estímulos ao setor. Segundo ele, há omissão por parte do Governo do Estado, o
que agrava ainda mais a situação.
Rodrigues conta que chegou a procurar o Executivo estadual para dialogar sobre
melhorias para o segmento, mas reclama que até hoje não há iniciativas de
incentivo. “O papel do Governo do Estado é fundamental, porque é ele quem
determina as alíquotas de imposto, isenções e benefícios. Nós temos sofrido
bastante por falta de uma política estadual para o GNV. Há dois anos fizemos um
mo-vimento intenso com o setor, inclusive, com audiências na Assembleia
Legislativa, conversamos com a Secretaria de Tributação (SET-RN) e com a
Potigás para explicar nossa situação, mas até agora o Governo nunca se
posicionou de forma a mudar esse cenário”, afirma.
“Enquanto isso, a gente segue amargando prejuízos”, reclama Rodrigues, em
seguida. Cida Fernandes, da RN Inspeções, pontua que a opção é uma só: reduzir
os preços para o consumidor. “É preciso diminuí-los na bomba e conceder
incentivos, com redução de ICMS para os instaladores e de IPVA para o
consumidor. Essas medidas, com certeza, iriam nos ajudar muito”, assegura. De
acordo com Washington Viana, da Auto Seis Gás Natural, o RN poderia seguir o
exemplo de outros estados, que adotaram medidas importantes para estimular o
setor.
“Rio e Paraná garantem descontos de 70% no IPVA
para o carro com GNV. Pernambuco começa agora em 2024 a oferecer isenção de
50%. Mas, claro: o principal é o valor do metro cúbico, que tem que baixar. É
insustentável trabalhar com gás assim. Nós convertedores só estamos funcionando
por causa da manutenção, uma vez que ainda existe muito carro com GNV
instalado. Há uma demanda importante, mas a gente não vê interesse em reverter
o quadro atual”, analisa Viana.
Procurado, o Governo do RN se
pronunciou por meio da Potigás, única distribuidora de gás natural do RN e que
tem como sócio majoritário o Executivo estadual. Em nota, a Companhia disse
trabalhar na elaboração de um estudo que deverá ser apresentado ao Governo,
para descontos na alíquota do IPVA, direcionado aos usuários de GNV. “Queremos
iniciar essas tratativas já no mês de fevereiro”, informou a Potigás. A empresa
não deu detalhes sobre o estudo ou prazos para a implantação de prováveis
medidas, uma vez que, conforme explicou, as análises ainda estão em fase de
finalização.
A
Potigás disse ainda que está “empenhada em estimular o uso de GNV e tem feito
isso através de promoções como a campanha ‘Vai no gás com bônus de R$1.500’,
[que teve início em outubro do ano passado e encerrou-se dois meses depois, em
dezembro]. com o objetivo de incentivar as conversões de veículos”. Segundo a
empresa, a campanha está em fase de planejamento para uma nova edição em 2024.
A Potigás destacou que, apesar das mudanças, o GNV ainda é o combustível mais
vantajoso para os usuários.
“Em
comparação com a gasolina, a economia está em 32%; em paralelo ao etanol, esse
percentual sobe para 35% [por conta da capacidade de quilometragem]. Traduzindo
em quilômetros, com R$ 50 reais você percorre 125 km com GNV, 85 km com
gasolina e 82 com etanol”, explicou a Companhia.
Em um ano, valor do GNV para
revenda subiu 32%
O
preço do metro cúbico do GNV repassado aos postos de combustíveis do Rio Grande
do Norte pela Potigás registra aumentos quase que sucessivos há um ano. Em
janeiro de 2022, conforme histórico do sistema tarifário disponível no site da
Companhia, o valor do m³ repassado era de R$ 2,93. Desde então, não houve
nenhuma redução do produto para as bombas. O ano de 2024 começou com mais um
reajuste para o setor, cujo metro cúbico saiu de R$ 3,42 em outubro de 2023,
para R$ 3,88 neste mês de janeiro.
No acumulado de um ano, portanto, a alta é de 32,42%. Levando-se em conta
apenas os meses de dezembro de 2023 e janeiro atual, o aumento é de 13,45%. A
Potigás explicou que as altas ocorrem quando os valores são reajustados pelos
fornecedores e que o mais recente aumento se dá em razão de a Companhia ter
começado a pagar “34% mais caro pelo gás natural que adquire junto aos
produtores”. Segundo a empresa, a PetroReconcavo, principal fornecedora de gás
reajustou o valor do metro cúbico de R$ 1,12 para R$ 2,20. O aumento verificado
nos postos este mês foi de quase 9% (abaixo dos 13% repassado para reveda),
segundo levantamento da TRIBUNA DO NORTE e também de acordo com a última
pesquisa do Procon nos postos de abastecimento de Natal.
O presidente do Sindipostos-RN, Maxwell Flor, informou não ser possível prever
se novos aumentos virão para o consumidor, uma vez que o reajuste nas bombas
tem sido inferior ao aumento do valor repassado às revendedoras. Os usuários,
no entanto, estão na expectativa de que os preços possam recuar. Este aspecto,
ligado aos custos para instalação e retirada do GNV fazem com que alguns
condutores optem por manter o uso do gás natural. “Mantenho o GNV porque existe
um custo de instalação, que é de R$ 4 mil, em média. Então, não será viável
retirar o equipamento, tendo em vista a expectativa de que o preço seja
reduzido, como espero que aconteça em breve, a partir de uma redução de
tributos”, diz o motorista Anderson Linhares.
“Tenho
dois carros. Em um deles uso GNV porque faço viagens para o interior e ele
permite rodar mais. Não retirei a instalação ainda por causa dos gastos com
conversão e exclusão e quero manter porque tenho esperança de o preço baixar”,
comenta o taxista Rosemberg Barbalho.
NÚMEROS
Instalações de GNV
2022 3.130
2023 1.711
Redução de 45,33%
Retiradas do sistema GNV
2022 512
2023 800
Alta de 56,25%
Fontes: Detran-RN e Potigás
Preço para revenda do m³ do GNV
2023
Janeiro R$ 2,93
Fevereiro R$ 2,94
Março R$ 2,97
Abril R$ 3,06
Agosto R$ 3,54
Outubro R$ 3,42
2024
Janeiro R$ 3,88
Fonte: Potigás
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