O contrato foi assinado em abril de
2022, na gestão de Anderson Torres no Ministério da Justiça do governo Jair
Bolsonaro (PL), e prorrogado um ano depois, em abril de 2023, na gestão de
Flávio Dino, do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os contratos foram
firmados por meio dos respectivos setores que cuidam de presídios no
ministério, sem a participação direta dos ex-titulares da pasta.
Especialistas consideram grave o fato
de um presídio de segurança máxima contratar uma empresa sem saber quem é o
verdadeiro dono. Uma das suspeitas investigadas é a de que uma obra teria
facilitado a fuga dos criminosos – a primeira na história dos presídios de
segurança máxima do País.
Havia mais de uma obra em andamento.
Ainda não foi apontada, porém, qual delas teria ajudado os criminosos. Rogério
da Silva Mendonça, conhecido como Tatu, e Deibson Cabral Nascimento, o
Deisinho, ainda não foram encontrados, e as buscas entraram no 8º dia.
Em nota, o Ministério da Justiça
informou que acionará “os órgãos competentes federais para que seja realizada
rigorosa apuração referente à lisura da empresa citada”. Destacou também que,
na assinatura do contrato, em 2022, a empresa cumpriu todos os requisitos
técnicos, apresentou todas as as certidões de conformidade e vinha cumprindo
todas as suas obrigações.
Já a empresa afirmou que a reportagem é
“imprudente” ao classificar o dono como laranja, mas não esclareceu os
questionamentos levantados. Também não quis dar informações sobre a atuação em
Mossoró.
A empresa em questão é a R7 Facilities,
sediada em Brasília. Ela foi contratada para realizar obras de manutenção no
presídio federal de Mossoró por R$ 1,7 milhão. A companhia informou, em
balanços de 2023, ter R$ 353 milhões em contratos ativos com os setores público
e privado.
Apesar do tamanho da companhia, o
sócio-administrador é um técnico de contabilidade que recebeu 12 parcelas do
auxílio emergencial, benefício pago a cidadãos em vulnerabilidade financeira
durante a pandemia da covid-19. Gildenilson Braz Torres, de 47 anos, tem como
endereço uma casa simples no Riacho Fundo, região periférica do Distrito
Federal, e não soube dar informações sobre a operação da empresa.
O histórico de Gildenilson não bate com
o de um empresário vencedor de contratos milionários. Ele é cobrado na Justiça
pelo governo do Distrito Federal por não pagar uma dívida de R$ 8.338,10,
referente a parcelas de 2017 a 2020 de um imposto sobre serviços autônomos. Em
fevereiro de 2022, um juiz determinou o bloqueio de bens, mas só foram
encontrados R$ 523,64 nas contas dele.
Gildenilson afirma ter um escritório de
contabilidade no Núcleo Bandeirante, bairro da periferia formado pelos
“candangos” da construção de Brasília. No endereço, há uma placa em que ele se
apresenta como o responsável pela empresa “Mega Batatas”. Não há qualquer
menção à R7 no prédio nem nas redes sociais dele.
Ao Estadão, Gildenilson afirmou ter
CEO, diretores e outros empreendimentos, mas que não podia dar informações
sobre eles. Ele desligou o telefone logo após a reportagem insistir em mais
detalhes.
“Cara, tipo assim, ‘tá’ rolando uns
negócio aí do contrato que a gente tem terceirizado de Mossoró. É sobre isso?
Tipo assim, tenho de conversar com meu advogado. Não posso falar nada sem
conversar com ele. Qualquer coisinha, pego seu número e entro em contato”,
afirmou.
A reportagem também esteve no endereço
que Gil, como é conhecido, informa como residencial, no Riacho Fundo. Ele não
estava. O concunhado dele mora no local e afirmou desconhecer o vínculo de
Gildenilson com uma empresa milionária. “Se fosse verdade, ele não estaria
andando com o carro velho em que ele anda”.
Gildenilson virou sócio-administrador
da R7 Facilities em fevereiro de 2023. Dois meses depois, ele assinou o aditivo
com o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Nacional de Políticas
Penais (Senappen), para os serviços de manutenção em Mossoró.
Antes, desde janeiro de 2021, a
companhia estava em nome de outro “testa de ferro”, o bombeiro civil Wesley
Fernandes Camilo. Foi ele quem assinou o contrato, em 2022, com o antigo
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), atual Senappen.
Hoje, Wesley Camilo trabalha como
brigadista em um hospital particular de Brasília e afirmou ter renda mensal de
R$ 4 mil. Mesmo assim, alegou estar satisfeito por ter repassado a empresa de
balanço milionário da qual aparecia como único dono.
Camilo mora numa casa em Ceilândia, uma
das regiões mais pobres do Distrito Federal. A reportagem encontrou um
Volkswagen Nivus em sua garagem. O carro, avaliado em R$ 111 mil, está
registrado em nome da R7 Facilities.
O bombeiro civil afirmou que comprou a
empresa milionária sem desembolsar nada. Segundo ele, a firma foi repassada com
créditos não recebidos e ele trabalharia para recuperá-los. O brigadista negou
ter sido um laranja.
“Na realidade, irmão, eu comprei do
Ricardo e passei para para o Gil. Mas isso aí, bicho, vai além de tudo isso. O
meio é fogo, irmão. É só você pesquisar. Para ficar num meio sujo e perverso,
melhor sair e passar para a mão dos caras”, disse Wesley, negando-se a detalhar
a que se referia.
O fundador da empresa é Ricardo Caiafa,
um empresário de Brasília. Ele afirmou que decidiu vender a companhia porque
enfrentava dificuldades no mercado e decidiu sair do ramo. Foi procurado por um
advogado que intermediou a negociação para Wesley Camilo.
Caiafa afirma não ter mais ligação com
a R7. Diferentemente dos novos donos, ele mora em uma casa no Lago Sul,
considerado o bairro com a maior renda per capita do País. A reportagem não
encontrou indícios de que ele tenha vínculos com o grupo que controla a empresa
atualmente.
A R7 presta serviços para o governo
federal pelo menos desde setembro de 2016, segundo o Portal da Transparência.
Com o Ministério da Justiça, o primeiro contrato é de fevereiro de 2019. Nesses
casos, a gestão da empresa ainda era do fundador, Ricardo Caiafa. Os contratos
com o Executivo federal dobraram após a entrada dos laranjas.
Especialistas veem problema grave no
contrato do presídio
Coordenador do Centro de Estudos e
Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas, Luís Flávio Sapori diz que é
preciso apurar se houve problemas no processo de licitação da R7 Facilities.
“No caso, o que é suspeito é a característica da empresa que ganhou essa
licitação, no governo Bolsonaro ainda. Na gestão do ministro Anderson Torres. A
coisa começou lá. O problema está na origem (o que deve ser verificado é) a
idoneidade e a capacidade técnica dela para fazer esse tipo de serviço”, diz.
“Não há dúvida que há uma suspeita em
torno dessa empresa. Merece questionamento”, afirma ele, que foi
secretário-adjunto de Segurança de Minas de 2003 a 2007. “Na verdade, há um
protocolo a ser seguido por qualquer empresa que faça obras num presídio de
segurança máxima.”
Sapori explica também que contratos
guarda-chuva como o da R7 Facilities são comuns na administração de presídios.
“Na gestão prisional, de maneira geral, é normal e conveniente fazer licitações
de empresas que possam fazer a manutenção periódica dos presídios ao longo do
tempo. É assim que funciona e deve ser assim mesmo, do meu ponto de vista. Isso
permite resolver pequenos problemas de toda sorte que aparecem, sem que tenha
de fazer nova licitação a cada problema”, acrescenta o sociólogo.
Lucas Rodrigues é advogado com atuação
em contratações públicas. Segundo ele, um dos requisitos para que uma empresa
possa participar de uma licitação – como a vencida pela R7 Facilities – é o de
que ela esteja legalmente constituída. Se a empresa usou informações falsas,
como o nome de um laranja, é possível que o contrato seja considerado nulo.
“Um dos requisitos para ela participar
da licitação é ela (a empresa) estar regularmente constituída. O fato de ela
ocultar um sócio indicaria que ela está constituída de forma irregular”, diz
ele. Rodrigues falou em tese, sem conhecer o caso concreto. Além disso, os
donos podem ter incorrido no crime de falsidade ideológica ao usar um
“laranja”, diz o advogado.
R7 diz que alegação é “preconceito” e
ministério pede apuração
Em nota, a empresa R7 Facilities alegou
que é “imprudente” e “preconceituoso” se referir a Camilo e Gildenilson como
laranjas. “O sr Wesley Camilo foi sócio da empresa R7 Facilities e o sr
Gildenilson é o atual sócio, como pode ser verificado em documentos públicos
junto à Junta Comercial do Distrito Federal”. A empresa se recusou a comentar
sobre a fuga dos dois presos ligados ao Comando Vermelho, não especificou como
atua no Rio Grande do Norte e não informou se irá colaborar com as
investigações.
O Ministério da Justiça, em nota,
destacou que a empresa cumpriu requisitos na fase de contratação e vinha
cumprindo as obrigações contratuais conforme exigia a lei. Também ressaltou que
as condições da fuga dos presos são investigadas pela Polícia Federal.
“A empresa citada atendeu todos os
requisitos técnicos para a assinatura do contrato, realizada em abril de 2022,
tendo apresentado todas as certidões de conformidade junto a órgãos públicos,
como Receita Federal, Tribunal de Contas da União, Tribunal Superior do Trabalho,
Ministério da Gestão, Inovação e Serviços Públicos, entre outros. Sobre o
serviço prestado, de acordo com nota técnica emitida pela fiscalização do
contrato, a empresa vinha cumprindo todas as suas obrigações, obedecendo os
parâmetros pré-estabelecidos legalmente”, diz a nota.
As assessorias de Anderson Torres e
Flavio Dino, que estiveram à frente do ministério entre 2022 e o início de
2024, informaram que o contrato não teve qualquer relação com os ex-titulares
da pasta porque é assinado no departamento que cuida da área de presídios,
dentro da própria pasta.
Estadão Conteúdo
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