O Ensino Médio Noturno reduziu em 80% a quantidade de matrículas nos últimos 20 anos no Rio Grande do Norte. É o que apontam números da Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEEC-RN) e Ministério da Educação (MEC), obtidos pela TRIBUNA DO NORTE. De 79.324 matrículas registradas em 2003, o número despencou para atuais 16.025 em 2024. Os fatores para a redução são diversos e incluem uma série de conjunturas sociais e educacionais, segundo especialistas e doutores em Educação ouvidos pela TN. Aliado a isso, uma pesquisa da Fundação Roberto Marinho apontou que 6 em cada 10 estudantes que estão fora da escola voltariam aos estudos caso houvesse oferta de ensino noturno.
Segundo uma pesquisa do MEC, a rede estadual possuía 79 mil estudantes em 2003, número que foi despencando ano a ano. Naquele ano, o noturno superava as matrículas diurnas, que eram 62.009. A balança acabou se invertendo em 2009, com 66.840 estudantes nos turnos da manhã/tarde e 62.757 no turno da noite. A série se intensificou ainda mais na última década, como mostram dados da SEEC repassados à TN: em 2017, as matrículas representavam 24.172, número que foi caindo para um dos menores índices da história, que foi de 13.924 em 2021. Nos dois últimos anos, curvas de recuperação são registradas, com 15.091 e 16.025, no entanto, longe dos patamares alcançados nos anos passados.
Entre os fatores listados pela SEEC e por especialistas para explicar os números estão as mudanças sociais e alterações recentes na reforma do Ensino Médio, a pandemia de Covid-19 que tirou estudantes das escolas e até o cenário de violência e mudanças sociais nas cidades. Atualmente 132 escolas oferecem o ensino médio noturno na rede estadual.
“É um fenômeno nacional essa redução no noturno e em diversas redes. Hoje há uma diversidade maior de ofertas para o Ensino Médio, que permite escolhas ao estudante, como o tempo integral ou associar atividades laborais cujo horário é mais flexível, como um motorista de aplicativo ou quem vive do mercado informal.
Dada a condição de amplitude maior de oportunidades de trabalho, se tem essas oscilações com relação ao noturno. Por exemplo: quando trabalhei no noturno, 95% dos estudantes eram comerciários. Era preferencialmente dessa forma”, explica Ciáxares Carvalho, subcoordenador do Ensino Médio no RN.
Para a especialista e doutora em práticas pedagógicas exitosas, Cláudia Santa Rosa, o ensino noturno é um dos mais complexos da rede de educação do Brasil, uma vez que abarca o estudante que por diversas razões, como trabalho, família ou afazeres, não consegue ir à escola nos horários convencionais. Segundo ela, há prejuízo no aprendizado nessa modalidade. Santa Rosa lembra ainda que, em décadas passadas, o ensino médio noturno “era uma forma até do jovem sair de casa”.
“O noturno é meio que o “patinho feio” do sistema educacional, porque ele não começa nem termina no horário que deveria. Há uma carga horária reduzidíssima”, explica. “Há uma avaliação de especialistas e estudos que colocam as dificuldades do ensino noturno em termos de qualidade. As redes computam com um avanço positivo trazer os jovens para o diurno e políticas como essa do tempo integral, o próprio incentivo do pé-de-meia, é trazer o estudante para a escola e se possível durante o dia, porque à noite, além de todas as dificuldades tem ainda a questão do horário, a situação de transporte. É um turno muito curto e não consegue trabalhar o conteúdo previsto no currículo”, acrescenta.
O assessor pedagógico da SEEC, Kleiton Soares, aponta ainda que a recente reforma do Ensino Médio pode ter sido outro fator que explica a diminuição nas matrículas noturnas.
“Aqui no RN temos observado também uma migração do noturno regular para o EJA porque o tempo de conclusão dos estudos é mais curto. Acredito que outro fator é a própria reforma do Ensino Médio, que no noturno imprensou a carga horária que não consegue ser comportada”, acrescenta.
Dos 9,8 milhões de jovens brasileiros de 14 a 29 anos que estão fora da escola sem ter concluído a educação básica, 62% dizem que voltariam a estudar se tivessem a opção de ter aulas no período noturno.
A informação é da pesquisa “Juventudes fora da escola”, idealizada pelo Itaú Educação e Trabalho e pela Fundação Roberto Marinho e elaborada com o Instituto Datafolha. Os dados foram divulgados na tarde desta segunda-feira (11).
O estudo mostra que a maioria dos jovens que precisaram abandonar os estudos o fez em razão de dificuldades financeiras, que os levaram a deixar a escola para trabalhar. A maioria deles também afirma que gostaria de concluir a educação básica para conseguir um emprego melhor futuramente.
EJA
A Educação para Jovens e Adultos (EJA) também foi outra modalidade que apresentou redução no Rio Grande do Norte, segundo dados do Censo Escolar, disponibilizados pelo MEC. De 36.339 estudantes em 2014, o número caiu para 22.947 em 2023, números que a SEEC contesta em virtude de metodologias diferentes de cadastro junto ao MEC. Atualmente 200 escolas ofertam EJA na rede estadual.
Segundo Liz Araújo, subcoordenadora de Educação para Jovens e Adultos (EJA) da SEEC, o que tem acontecido é o contrário, com aumento no número de matrículas. A gestora apresentou que em 2023 foram 29.265 adesões contra 23.065 em 2022.
“A oferta de EJA é diversificada. Atendemos a uma diversidade de público que no percurso disso precisa-se de ajustes. Um deles é a da matrícula. Nosso aluno EJA se matricula de janeiro a janeiro. Não há período de término. A dinâmica do Censo é que esses alunos que está apresentando em 2024 foram os alunos de 2023. E aí não dá tempo da gente chegar para o Censo com o total de matrículas. Nossas matrículas de EJA tem avançado. Nosso grande desafio ainda é a permanência. A curva histórica tem crescido”, explica.
“A permanência é um grande desafio. Temos tido uma grande busca para a EJA especialmente para o Ensino Médio, pois é muito ligado ao trabalho ou a formação de cursos de qualificação profissional”, explica. “A função da EJA não é apenas acelerar o tempo de término, mas atender trabalhadores que precisam estudar e não tem espaço de tempo durante o diurno”, finaliza.
Oportunidade de mudar de vida, diz estudante da noite
Morando longe de casa desde 1999, César Pinheiro, atualmente com 43 anos, viu nos estudos e no ensino noturno a oportunidade de mudar de vida e de continuar a trabalhar com seu artesanato, que o vende em praias de Natal desde 2019. “Voltei a estudar ano passado com um diálogo com meu mestre de jiu-jitsu que conheci na igreja. Tenho dois anos e dois meses que fiz uma escolha importante de parar de consumir substâncias”, comenta.
Natural de Lins, interior de São Paulo, César viajou por todos os estados do Brasil e até para outros países, como Bolívia, vivendo sempre do artesanato. Lutou contra as drogas durante boa parte de sua vida e atualmente está há dois anos e dois meses limpo. Atualmente, ele é da Educação para Jovens e Adultos (EJA), tendo como sonho concluir os estudos e cursar a graduação de Letras/Libras.
“Lá na igreja foi um passo mas o que fez abrir minhas possibilidades foi estar limpo. Quando se está limpo, precisa-se de uma ocupação para não pensar besteira. A escola é uma coisa que vai me possibilitar outras questões na vida. Inclusive, estou fazendo curso na UFRN do nosso segundo idioma oficial, que é Libras. A comunidade surda tem uma importância muito grande. Vivia num modo que a sociedade rejeita, então entendo o que é ser rejeitado”, explica. “Escolhi o turno da noite por possibilitar fazer minha produção de artesanato, meu curso de Libras e meus treinos”, cita.
Outro estudante que também preferiu as aulas à noite foi Danilo Damasceno, 18 anos, morador do Planalto, em Natal. Ele conta que há transporte público disponível, o que facilita sua ida à escola. Estudante da EJA, ele explica que precisou sair do estudo diurno para o noturno em função do trabalho. “Ajudava meu pai na marcenaria durante o dia e precisei ir para noite. Atualmente estou sem trabalho, mas quero arrumar algo”, explica.
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