A s chuvas que têm banhado o RN nos últimos meses podem significar a garantia de segurança hídrica para muitas cidades do interior. No entanto, em algumas delas, a esperada autonomia do abastecimento de água não será alcançada, em virtude da demora na conclusão de barragens por parte do Governo do RN. Barragens como a Passagem das Traíras e a de Oiticica teriam a capacidade, caso concluídas, de garantir água diretamente para cerca de 360 mil potiguares, segundo dados da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Sem as obras, a água não poderá ser completamente armazenada nesses reservatórios, prejudicando o cotidiano e a economia nessas regiões.
A demora na recuperação da barragem Passagem das Traíras, iniciada em 2020, tem gerado prejuízos para as cidades de São José do Seridó e Jardim do Seridó, em áreas como a agricultura e o abastecimento de água. “A perda é incalculável com a demora dos serviços”, diz Amazan (PSD), prefeito de Jardim do Seridó. A Semarh informou que os trabalhos serão finalizados no final de junho deste ano. Outra obra aguardada é a da Barragem de Oiticica, prevista para ser entregue no próximo semestre.
Sem o término dos serviços, no entanto, prevalecem as dificuldades para a população. “São duas cidades afetadas (Jardim do Seridó e São José do Seridó) pela obra na Passagem das Traíras, que ficaram sem água e a gente tem que recorrer a uma adutora emergencial que vem do Boqueirão. O prejuízo é enorme, especialmente para os agricultores. Ou seja, existe toda uma cadeia afetada por essa que é uma questão ligada à segurança hídrica”, pontua Amazan.
O vereador Ronalty Neri (PP), de Jardim do Seridó, avalia que as perdas com a demora da conclusão das obras são irreparáveis. “O impacto desse atraso é muito negativo em vários aspectos, desde o hídrico, passando pelo econômico e também o social. A barragem é o nosso principal reservatório de abastecimento. Só não estamos no carro-pipa porque, na gestão do ex-governador Robinson Faria, foi construída a adutora do Boqueirão para cá”, afirma.
“Além disso, os ribeirinhos que tiravam o sustento da pesca feita antigamente no reservatório, foram afetados. Portanto, temos aí perdas irreparáveis”, completou o vereador. As queixas aumentam neste período por causa dos índices de chuva registrados na região. Sem a conclusão da obra, parte do volume do reservatório, que deveria dar suporte em períodos de seca, segue para a barragem Armando Ribeiro Gonçalves. Os dois municípios afetados sofrem com a falta de recursos hídricos durante períodos de estiagem, conforme constatado pela TN em dezembro do ano passado.
“A crise hídrica está imensa, principalmente no Seridó. Todo o percurso do rio São José e o rio Seridó, que dá suporte ao homem do campo, está prejudicado. Temos uma retroescavadeira e uma pipa que não param, é dia e noite trabalhando. Tudo isso por causa da falta da água da barragem Passagem das Traíras”, disse à época o prefeito de São José do Seridó, Jackson Dantas, ao cobrar prioridade para conclusão da obra.
A barragem tem capacidade de 50 milhões de m³ e irá beneficiar 40 mil habitantes. Além dos referidos municípios, a cidade de Caicó também poderá ser beneficiada. Os trabalhos estão a cargo do Dnocs. Já Oiticica, cuja capacidade absoluta é de 598 milhões de metros cúbicos (m³), irá beneficiar direta e indiretamente, 800 mil pessoas em 43 municípios. Deste total, 320 mil serão impactadas diretamente.
A previsão de conclusão da construção da Barragem de Oiticica é para o próximo semestre, antes de dezembro, quando o chamado Complexo Hidrossocial, que inclui o reassentamento de famílias de uma comunidade próxima ao reservatório, e de obras complementares, só será totalmente entregue no final de dezembro de 2024.
As obras de Oiticica foram iniciadas em 2013. Iniciada há mais de 10 anos, os trabalhos foram adiados inúmeras vezes. Em 2022, o governo alegou falta de recursos para finalizar os serviços, cuja conclusão estava prevista para dezembro daquele ano e pediu a prorrogação do prazo de entrega para o primeiro semestre de 2024.
A obra tem um custo total de R$ 724,7 milhões, dos quais R$ 707,5 milhões são de recursos federais e R$ 17,2 milhões, de investimento estadual. Ainda faltam aplicar R$ 24,2 milhões de recursos do Governo Federal e R$ 1,7 milhão do Estado. A Passagem das Traíras tinha como prazo de finalização dezembro de 2022.
Municípios sofrem com insegurança hídrica
A conclusão das duas barragens, além de garantir segurança hídrica, vai elevar a capacidade de armazenamento hídrico do Estado, dos atuais 4,5 bilhões de metros cúbicos para cerca de 5 bilhões de m³. O secretário Paulo Varella, de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do RN explica que as cidades que serão beneficiadas pelos reservatórios em obras não estão desabastecidas. Ocorre que hoje elas não possuem garantia hídrica, porque são atendidas por reservatórios menores, que costumam secar ou ter a capacidade reduzida em períodos de escassez de chuvas.
“As pessoas desses municípios possuem algum nível de abastecimento, mas não têm segurança hídrica. Essa segurança só vai chegar com a finalização dos serviços [nas barragens]. A Passagem das Traíras tem um potencial bem menor de segurança hídrica em comparação com a Oiticica, em razão da própria capacidade e também porque ela não está na rota do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf). Portanto, ela fica dependente exclusivamente dos índices pluviométricos, mas é de suma importância para os municípios próximos”, disse.
Após a finalização das obras de construção da Barragem de Oiticica, o equipamento irá permitir 100% de segurança hídrica para os municípios atendidos. Isso porque, além da capacidade máxima, o reservatório está na rota do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf), que capta as águas do Velho Chico para bacias hidrográficas dos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
No RN, o projeto é composto por dois canais: o Ramal do Apodi, que levará água para Major Sales, Pau dos Ferros e Santa cruz, e o Piancó Piranhas-Açu, que passa pela Oiticica e segue até a barragem Armando Ribeiro Gonçalves. “O canal que seguirá pelo Ramal do Apodi ficará pronto no próximo ano e pode transportar até 20 m³ de água por segundo. Já o de Piancó tem capacidade de transportar até 50 m³ por segundo. As obras foram concluídas e ele pode ser operado, se houver necessidade”, detalha Paulo Varella, da Semarh.
O gestor alega que, em razão disso, a Barragem de Oiticica terá 100% de segurança hídrica. “A transposição é como uma espécie de torneira fechada, que você abre se precisar usar, em episódios de seca extrema, por exemplo. Estão outorgados para o Pisf no RN, 3 m³ por segundo. Se for preciso, também em situações extremas, pode-se utilizar mais, obedecendo o limite máximo de transporte de cada canal”, esclarece o secretário.
O Pisf promete trazer alívio para os potiguares que sofrem com a escassez hídrica, mas a finalização das obras nas barragens de Oiticica e Passagem das Traíras são igualmente fundamentais para a garantia do recurso, segundo a professora do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental do Centro de Tecnologia da UFRN, Joana Medeiros. Segundo ela, o ponto principal é que os reservatórios vão ‘espacializar’ a distribuição hídrica.
“Do ponto de vista social e econômico, Oiticica tem um papel importantíssimo, porque ela traz o recurso para perto da região Seridó, que tem bastante problema de abastecimento. Da mesma forma, a gente pode falar da Passagem das Traíras, que leva água para a região próxima a Caicó”, completa a professora. De acordo com Paulo Varella, da Semarh, as obras da Barragem de Oiticica estão 94% concluídas.
A construção envolve a elevação de um muro de 42 metros de altura e de 4,5 km de extensão. Parte da estrutura, no entanto, conta atualmente com uma altura de 28 metros, o que permite uma capacidade de armazenamento de 75,56 milhões de metros cúbicos. As fortes chuvas que caíram na região, segundo Varella, têm impedido o andamento dos trabalhos no reservatório. Por causa dos recentes volumes, a barragem está com uma lâmina de 70 centímetros de sangria.
O fato fez com que o Governo do Estado prometesse a finalização da obra para o segundo semestre deste ano (em 2022, a promessa era de que a barragem seria concluída no primeiro semestre de 2024). “O que estava prevista era uma seca forte. Não esperávamos que haveria sangria. Quando ela terminar, vamos fechar a parede. Isso levará cerca de três meses”, comentou o secretário. Já no caso da Passagem das Traíras, ainda é necessária a instalação de comportas.
“Estamos acompanhando as obras junto ao Departamento Nacional de Obras. Grande parte da estrutura foi recuperada, mas faltam os equipamentos hidromecânicos (comportas). O Dnocs informou que já foram licitados e, como a instalação não depende das chuvas, nos foi dada uma previsão de que até junho tudo estará pronto”, falou o secretário.
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