O posicionamento do Partido dos
Trabalhadores sobre o resultado da eleição na Venezuela não é unanimidade entre
os petistas e foi considerado “precipitado” por ala mais moderada da sigla. Na
contramão da nota oficial da legenda, que chamou Nicolás Maduro de “presidente
reeleito”, deputados e senadores petistas criticaram a falta de lisura no
processo eleitoral do país vizinho e classificaram Maduro como ditador.
A Executiva Nacional, presidida pela
deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), desejou que Maduro “continue o
diálogo com a oposição”, em nota divulgada na segunda-feira, 29. O regime
chavista tem histórico de prisão de adversários políticos, e alguns dos
principais opositores do governo venezuelano foram proibidos de concorrer à
Presidência do país.
Parlamentares petistas ouvidos pelo
Estadão afirmam que o texto do partido causou um racha na sigla, com uma ala
mais moderada defendendo que a legenda deveria ter atuado com mais cautela, em
vez de reconhecer Maduro como presidente reeleito sem a divulgação das atas
eleitorais. O grupo avalia que a declaração pode prejudicar a imagem de Lula,
ao reforçar a associação dele com o ditador venezuelano. A relação entre os
dois já é explorada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como mostrou a coluna da jornalista
Vera Rosa, o racha entre os petistas começou a ser exposto no grupo de WhatsApp
do diretório nacional do PT. Em conversa após a publicação do posicionamento, o
diretor da Fundação Perseu Abramo, Alberto Cantalice, disse que a nota foi uma
“precipitação”. “A única coisa que está se ‘precipitando’ neste momento é a
escalada de violência por parte da extrema-direita”, reagiu Valter Pomar,
dirigente da Articulação de Esquerda.
Ao Estadão, o senador Fabiano Contarato
(PT-ES) afirmou que o PT deveria ter adotado uma “postura cautelosa” devido às
“investidas autoritárias” de Maduro.
“O PT é um partido diverso e aberto a
várias correntes de opinião, forjado sob o signo do progressismo, da tolerância
e da justiça social. Creio que, neste caso, uma postura cautelosa seja
recomendável, diante das investidas autoritárias do regime com as oposições. Em
todo caso, isso não afeta a minha relação com o meu partido, que segue sendo de
profundo respeito e comprometimento”, afirmou Contarato.
O capixaba também criticou a lisura do
processo eleitoral venezuelano no X (antigo Twitter) nesta terça-feira, 30.
Segundo o senador, os resultados divulgados pelo governo chavista não merecem
aval da comunidade internacional “enquanto as exigências mínimas de
transparência não forem satisfatoriamente atendidas”.
O líder do governo do Congresso,
senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), também divergiu do tratamento dado pela
Executiva do PT ao ditador venezuelano. Em entrevista à CNN Brasil na manhã de
terça, Randolfe disse que o regime de Maduro é “autoritário” e que o pleito presidencial
foi “sem idoneidade”. “Uma eleição em que os resultados não são passíveis de
certificação e onde observadores internacionais foram vetados é uma eleição sem
idoneidade”, disse.
Contrariando o posicionamento oficial
do partido, o senador Paulo Paim (PT-RS) criticou a falta de transparência por
parte dos órgãos eleitorais venezuelanos. Segundo ele, não há democracia em
países onde há o descumprimento da liberdade política e de expressão e o
desrespeito aos direitos humanos.
“A situação na Venezuela é gravíssima e
lamentável. Espero por dias melhores para o seu povo e para o país como um
todo. Sem transparência no processo eleitoral, liberdade política e de
expressão, e respeito aos direitos humanos, não há democracia”, disse Paim em
uma publicação no X na terça-feira.
Sem reconhecer a reeleição de Maduro,
mas sem mencionar as suspeitas de fraude, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) cobrou a divulgação das atas eleitorais, necessárias para comprovar
quem foi o vencedor da eleição venezuelana. A publicização dos documentos
também é defendida por outros governos sul-americanos e pelo presidente dos
Estados Unidos, Joe Biden.
Na madrugada da segunda, o Conselho
Nacional Eleitoral da Venezuela, controlado pelo governo do país, declarou
Maduro como o vencedor das eleições. Segundo o órgão, o chavista conquistou
51,2% dos votos válidos contra 44,2% do candidato oposicionista Edmundo
González Urrutia. Os adversários do ditador contestam os resultados e declaram
González Urrutia vencedor com 70% dos votos.
Ex-presidente nacional do PT, o
ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro também se posicionou na
contramão do partido em relação às eleições na Venezuela. “Não podemos
desperdiçar a experiência. Se o TSE definisse quem ganhou aqui no Brasil na
última eleição presidencial, com 70% dos votos apurados, Bolsonaro seria
presidente. Itamaraty faz muito bem em pedir o exame das atas para assumir uma
posição sobre a lisura das apurações”, afirmou, no X.
Antes da divulgação da nota da
Executiva do PT, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) já havia se
posicionado contra a postura de Maduro, classificando-a como de “um ditador”.
“Um governo verdadeiramente democrático convive com críticas, questionamentos e
oposição organizada”, disse Lopes em postagem no X publicada nesta segunda.
Na terça-feira, após a publicação do
posicionamento oficial do PT, a deputada federal Camila Jara (PT-MS) afirmou
que os acontecimentos na Venezuela “reforçam a importância da transparência nas
eleições”. A parlamentar, que é pré-candidata à prefeitura de Campo Grande,
defendeu uma auditoria nos resultados para a proteção da democracia.
Já o deputado federal Bohn Gass (PT-RS)
endossou a posição adotada por Lula e Biden diante da crise política na
Venezuela. Nesta terça, os dois presidentes conversaram por telefone e
defenderam a divulgação dos documentos das sessões eleitorais. “Ambos
concordaram: é preciso ver as atas de votação”, afirmou o gaúcho, também
contrariando o partido.
Estadão
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