Empresas de fachada, lojas de carro, fazendas e abertura de igrejas
evangélicas. Grupos ligados a maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro
Comando da Capital (PCC), encontraram diversos mecanismos para lavar dinheiro
oriundo das ações criminosas no Rio Grande do Norte. Segundo investigações
obtidas pela TRIBUNA do NORTE, os grupos utilizaram métodos conhecidos e em um
dos casos, chegou a contratar um lavador de dinheiro profissional para cuidar
do caixa do núcleo criminoso.
Ao todo, uma das denúncias aponta para tentativa de lavagem de pelo
menos R$ 23 milhões. Em pelo menos duas investigações, coordenadas pela Polícia
Civil e Ministério Público do RN, foram obtidos bloqueios judiciais de pelo
menos R$ 14,7 milhões de grupos ligados ao PCC.
A realidade da lavagem de dinheiro do PCC e de grupos criminosos não é
única no RN, sendo um fenômeno nacional. Recentemente, em uma agenda em Nova
York o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que
o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem 1.100 postos de gasolina e começou a
comprar usinas de etanol no Brasil. Combater o avanço de facções e da milícia
no setor dos combustíveis é um dos principais problemas do setor.
Além destes casos, há pelo menos duas situações de suspeita de lavagem de
dinheiro de grupos ligados ao PCC no Rio Grande do Norte. Segundo fontes
ligadas às investigações e especialistas em segurança pública, a lavagem é uma
forma de se dissimular o dinheiro e fazer com que os grupos expandam suas ações.
“A principal razão para a lavagem de dinheiro pelo PCC é ocultar a origem
ilícita dos recursos financeiros. Ao fazer isso, o grupo tenta mascarar o
verdadeiro caminho do dinheiro, fazendo com que ele pareça legítimo e
dificultando a atuação das autoridades.
Outra motivação é evitar a perda de ativos: dinheiro com origem
criminosa está sempre sob o risco de ser confiscado pelas forças de segurança,
e lavá-lo é uma maneira de protegê-lo de ser apreendido”, explica o
especialista em Segurança Pública e pesquisador de temáticas ligadas à
criminalidade e sistema prisional do RN e do Brasil, Francisco Augusto Cruz.
Ainda segundo o especialista, que é professor do IFRN e UAB, o grupo paulista
utiliza vários métodos para lavar dinheiro sendo o mais comum deles a
estruturação, que consiste em dividir grandes somas de dinheiro em transações
menores para evitar a detecção por autoridades financeiras. Empresas de fachada
também são utilizadas, onde o grupo cria negócios que parecem legítimos para
justificar a entrada de dinheiro ilícito.
“O sucesso do PCC na lavagem de dinheiro é facilitado por uma rede de contatos
bem estabelecida, incluindo associados e colaboradores que ajudam a movimentar
o dinheiro por diferentes canais. A corrupção também desempenha um papel
crucial; funcionários públicos corrompidos podem fornecer proteção e facilitar
a ocultação das atividades financeiras ilícitas do grupo”, acrescenta.
Recentemente, em 2021, o MP Estadual criou o Núcleo de Informações Patrimoniais
(NIP), que tem como objetivo aprimorar as investigações de suspeitas de lavagem
de dinheiro no Estado, incluindo ações do crime organizado armado. “Esse núcleo
tem como inovação juntar o pessoal que trabalha com a execução das operações
com a análise. Com o núcleo tentamos conjugar essa análise com atividades de
campo”, explica fonte ligada as investigações. Ao todo, o NIP avaliou R$ 1,4
bilhão e obteve bloqueio de R$ 34 milhões de ações provenientes de lavagem de
dinheiro.
Operações
Recentemente no Estado, duas grandes operações cumpriram mandados e
ofereceram denúncia à Justiça por associação criminosa e lavagem de dinheiro
proveniente do tráfico de drogas.
Segundo documentos e denúncias obtidas pela TN, os grupos se valem de empresas
fantasma e de fachada, lojas de veículos automotivos, fazendas e até abertura
de igrejas para lavar os lucros do tráfico de drogas.
É o caso da Operação Plata, deflagrada em fevereiro de 2023. Na época, a
apuração era de lavagem de dinheiro de R$ 23 milhões provenientes do tráfico. A
dissimulação era feita com aquisição e compra de imóveis, distribuição de
numerário, fracionamento de depósitos não identificados e pagamentos de contas.
“Eles utilizavam CNPJs falsos, empresas de fachada e fantasma. A empresa
fantasma é a que não existe de jeito nenhum e a de fachada é a que tem algo
acontecendo, administração, placa, mas movimenta mais recursos do que deveria.
Eles utilizavam igrejas, empresas fantasmas, fazendas e uso de pessoas
interpostas. Um dos cidadãos preso até hoje recebia dinheiro em espécie e
anotava num caderno à moda antiga”, cita um dos investigadores do MP.
Segundo as investigações, a maior parte das lavagens ocorria na compra de
imóveis e apartamentos em Natal. Para tentar confundir os investigadores, os
suspeitos transferiam os recursos recebidos pela venda dos imóveis para conta
de terceiros, “alguns sem nenhuma relação aparente com estes”, cita.
O que levantou a suspeita da Polícia Civil foi a compra de um imóvel em Ponta
Negra, em 2009, avaliado em R$ 500 mil, por um dos suspeitos posteriormente
denunciado como verdadeiro lavador de dinheiro profissional (PML – Professional
Money Launderer”. Na época, foi identificado que o homem declarava rendimentos
na ordem de R$ 19 mil/ano e que “não possuía patrimônio a justificar a
aquisição do imóvel, mas apenas uma pequena oficina de tecelagem no interior
potiguar”, cita.
A oficina de tecelagem voltaria a ser utilizada pelo suspeito considerado
“banco pessoal” do grupo numa técnica chamada “mescla”, em que os recursos
financeiros de origem ilícita são misturados a recursos financeiros lícitos,
numa tentativa de esconder a origem do dinheiro. A empresa de tecelagem
declarou receitas no ano de 2011 no valor de cerca de R$ 22,9 mil, mas
movimentou, entre recursos em espécie a crédito entre 2008 e 2021, no valor
total de R$ 3,2 milhões e a débito no valor de R$ 4,7 milhões. A dissimulação
era feita com aquisição e compra de imóveis, distribuição de numerário,
fracionamento de depósitos não identificados e pagamentos de contas.
Chefiado por dois potiguares irmãos, um deles tido como um dos coordenadores do
PCC no Brasil, um dos irmãos, que usava identidade falsa no RN e montando um
personagem como pastor, chegou a abrir pelo menos sete igrejas em várias cidades
do RN e em São Paulo. Os recursos provenientes do tráfico de drogas, segundo o
MP, eram “lavados” no pagamento de contas cotidianas das igrejas, como conta de
luz, por exemplo.
Outra maneira de lavar o dinheiro era repassá-lo a familiares dos suspeitos em
espécie, segundo a investigação. Além disso, os repasses aconteciam por meio de
complexas engrenagens pautadas, principalmente, na confusão patrimonial de
familiares.
Grupo tentou lavar R$ 6 milhões com loja
Em outra operação investigativa, a Omertà II, há a suspeita de que uma
organização criminosa na cidade de João Dias, Alto Oeste potiguar, tentou lavar
recursos utilizando uma loja de carros na tentativa de esconder os valores. A
suspeita é de que pelo menos R$ 6 milhões num intervalo de dois anos foram
creditados numa conta da concessionária, que só possuía um veículo registrado.
A empresa ficava na cidade de Água Nova, de 3.500 habitantes. Neste
caso, os líderes do grupo, dois deles já mortos, não tinham vínculo de
“batismo” com o PCC, mas tinham relações de negócios para o tráfico e
distribuição de drogas.
O que chamou a atenção da Polícia Civil e do MPRN, nesse caso, é o fato de que
a empresa de veículos automotivos só possuía um carro cadastrado junto ao
sistema do Detran-RN e que os depósitos fracionados feitos na conta de um dos
chefes do esquema somavam de R$ 6 milhões em apenas 2 anos. Para não chamar a
atenção, os depósitos eram feitos de forma fracionada, entre R$ 2 mil e R$ 5
mil.
“Era uma empresa fantasma de venda de veículos. Quando fizemos a verificação,
não tinha fachada, não tinha nada. Essa empresa movimentou muito dinheiro. Era
um CNPJ usado para receber o dinheiro do tráfico. Eles vendiam drogas para o
Estado todo e o dinheiro entrava por essa empresa”, disse uma das fontes ligadas
às investigações do MPRN.
Outro fator que levantou as suspeitas dos investigadores foi o fato de que o
dono do CNPJ da empresa, classificado pelo MP como “laranja”, era beneficiário
de programas sociais do Governo Federal e ter um padrão de vida “muito aquém da
movimentação bancária de sua empresa”. As movimentações bancárias nas contas de
pessoa jurídica e pessoa física também chamaram a atenção.
TRIBUNA DO NORTE
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