Financeiramente, é inviável para os municípios da Grande Natal arcar com parte dos custos da “Barreira Ortopédica”, serviço que o Governo do Estado pretende implantar para atender casos de baixa e média complexidades, de modo que acabe com as filas de espera nos corredores do Hospital Walfredo Gurgel. É o que alegam os gestores municipais consultados pela TRIBUNA DO NORTE. Além da indisponibilidade de recursos, a resistência à proposta se fortalece quando alguns desses já financiam esse tipo de serviço com orçamento próprio ou cobrem serviços que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesap/RN) não estaria pagando.
A “barreira ortopédica” está sendo discutida, inclusive, no âmbito judicial. A intenção é que esteja disponível em até três meses. O custo estimado é de R$ 900 mil por mês, sendo 40% desse montante a contrapartida do Estado e 60% rateado entre os municípios, o que resultaria em cerca de R$ 540 mil divididos entre as prefeituras. O serviço contaria com uma sala de pequenos procedimentos, sala de gesso e um centro cirúrgico simples, capaz de realizar intervenções em fraturas fechadas e outras condições de menor gravidade. Isso ajudaria a impedir, segundo o Governo, a chegada de pacientes com esse quadro mais simples no Walfredo Gurgel, que poderia atender melhor os casos graves.
Nessa sexta-feira (22), a Sesap realizou uma visita técnica no Hospital Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante, que está cotado para concentrar esses procedimentos na região. Além disso, a governadora Fátima Bezerra convocou os prefeitos desse e dos municípios de Macaíba, São José de Mipibu, Ceará-mirim, Parnamirim, Extremoz e São Gonçalo do Amarante, para uma reunião onde o problema será discutido na próxima terça-feira (26). Contudo, ela deverá enfrentar resistência, mesmo com a mediação do Ministério Público. Entidades como o Conselho dos Secretários de Saúde (Cosems) e a Federação do Municípios do Estado (Femurn) rechaçam a ideia.
A Prefeitura de Ceará-Mirim, por exemplo, informou em nota enviada à TRIBUNA DO NORTE que está disposta a ajudar, desde que haja alguma compensação. “Ceará-Mirim não concorda em assumir mais nenhum tipo de despesa que é de responsabilidade do Estado. Não por não querer ajudar, mas por não ter recursos suficientes para isso. Caso ocorra, será comprometido seriamente o sistema de saúde do Município, inclusive, com possibilidade de atraso de salários. O Município está aberto para ajudar. Vamos dialogar e encontrar uma forma de compensar o Município. Terça-feira serão debatidas as possibilidades”, destaca o texto.
Em São José de Mipibu, o secretário municipal de Saúde, Jeferson Oliveira, criticou a ideia de ratear os custos e sugeriu que o Governo tenha projetos para a área, como nos estados vizinhos, que possuem ou estão viabilizando hospitais de trauma. “Aqui, nada se resolve, lembrando que o governo recebeu R$ 2 bilhões durante a pandemia e não fez nenhum equipamento de saúde para essa finalidade”, disse.
O gestor avalia que a superlotação do Walfredo não se deve apenas ao atendimento de média e baixa complexidade da ortopedia. “Há filas nas cirurgias de trauma de alta complexidade, onde os pacientes demoram muito para serem transferidos e realizarem suas cirurgias”, pontuou o secretário.
Jeferson relembra que o Walfredo também é referência em urologia e as urgências cirúrgicas relacionadas a essa especialidade se acumulam e agravam a situação. Outro exemplo que ele cita e que contribui para a ineficiência da rede hospitalar são as internações de pacientes psiquiátricos, diante da redução brusca dos leitos nessa especialidade. “Quando o paciente não fica em surto psiquiátrico em casa, gerando risco para si e para a família, eles ficam internados por longo tempo em pronto-socorros municipais”, destaca o secretário mipibuense.
Dívidas do Estado devem ser discutidas
No momento em que o Governo do Estado discute a divisão dos custos para a criação de um serviço de barreira ortopédica na Grande Natal, municípios querem trazer à mesa a discussão em torno de repasses não realizados pelo Estado na área da saúde. O presidente da Federação dos Municípios (Femurn) e prefeito de Lagoa Nova, Luciano Santos, sugere que seja negociada uma espécie de encontro de contas. “São os repasses da Farmácia Básica, por exemplo, que é uma discussão de muitos anos e que a gente entende que isso será um dos embates trazidos pelos prefeitos. Isso porque, entre o valor da Farmácia Básica e esse serviço que o Estado propõe, pode haver uma compensação”, disse ele.
O secretário municipal de Saúde de Macaíba, Júnior Rêgo, aponta outra situação. “Nós nunca recebemos o incentivo da UPA, porque a UPA é cofinanciada, sendo 50% do Governo Federal, 25% do Governo Estadual e 25% do município. O Governo Federal cumpre a sua parte, mas o Governo Estadual nunca repassou nenhum recurso para o incremento da nossa rede de urgência e emergência através da UPA”, disse.
Além disso, ele reforça que a cidade já oferece serviços de ortopedia de baixa e média complexidades. “Nós temos uma sala de ortopedia, dois ortopedistas contratados pelo município. Temos uma sala de gesso, fazemos esse procedimento ambulatorial na nossa própria rede com 27 especialistas”, destaca.
Rêgo diz que Macaíba é responsável por cerca de 3% dos pacientes que chegam ao Walfredo Gurgel, o que não justificaria um alto investimento do município nessa proposta, considerando ainda os repasses que a Sesap não tem feito. “Daria uma média de R$ 76 mil para Macaíba. Hoje a gente não tem a disponibilidade desse recurso, até porque, já assinamos o TCTF (Termo de Cooperação Técnica Financeira) das cirurgias e da parte ambulatorial, que é realizada em Natal”, pontua.
Júnior Rêgo diz que a gestão macaibense entende a necessidade da implantação da barreira ortopédica, mas sugere que a Sesap poderia ampliar o serviço no Hospital Regional Alfredo Mesquita Filho (HRAMF), que é de competência estadual. “Inclusive tem dois centros cirúrgicos, um que está funcionando para a parte materno-infantil e outro está parado, esperando equipamentos”, explica Júnior Rêgo, sugerindo que o serviço funcione lá, em vez de ser implantado em São Gonçalo.
As prefeituras citadas pelo Governo foram procuradas pela reportagem, mas não houve retorno dos municípios de Extremoz e São Gonçalo do Amarante. Já Parnamirim informou que vai aguardar a comunicação oficial do Estado para depois se reunir com a Sesap e adotar providências.
Femurn e Cosems são contra a divisão de custos
Em nota conjunta, a Femurn e o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN (Cosems-RN) se posicionaram contra a ideia. As entidades destacaram que a responsabilidade constitucional do financiamento do SUS é tripartite e que a Constituição estabelece valores mínimos a serem aplicados em ações e serviços de saúde, devendo ser no mínimo 12% dos recursos próprios do estado e 15% dos municípios.
Citam ainda que um estudo realizado pela Frente Nacional de Prefeitos revelou que os municípios potiguares aplicam acima do mínimo constitucional em saúde, chegando em alguns casos a 35%, enquanto que os valores aplicados pelo Estado situam-se próximo ao mínimo estabelecido, chegando a 12,63% em 2023, o menor da Região Nordeste. Outro ponto é o repasse do Governo Federal que chegou, entre junho e outubro/2024, a R$ 259,5 milhões, de acordo com deliberações da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) no período, com a finalidade de custear a rede estadual.
Os presidentes da Femurn, Luciano Santos e do Cosems, Maria Eliza Garcia, afirmam que as entidades “defendem o fortalecimento dos hospitais regionais para amenizar essa situação, como uma das alternativas mais sustentáveis”. Eles discordam da escolha pelo hospital de São Gonçalo por avaliarem ser de difícil acesso para os demais municípios, além de ser “de natureza privada sem fins lucrativos, sem habilitação para a área de ortopedia, enquanto os estaduais são habilitados pela Rede de Urgência e Emergência para tal função.”
Uma proposta apresentada na reunião da última terça-feira (19) entre a Sesap e os gestores municipais, foi para os deputados do estado também colaborarem. “Minha sugestão foi que a Assembleia Legislativa, através de emenda coletiva dos deputados, pudesse também contribuir. Os procedimentos da tabela do SUS não têm reajuste há 20 anos. A bancada federal precisa votar para reajustar essa tabela”, propôs o deputado Dr. Bernardo, membro da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado (ALRN).
Governo lamenta posição da Femurn
O Governo do Rio Grande do Norte disse lamentar o posicionamento da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (FEMURN) e do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do RN (COSEMS) sobre a proposta de incluir os municípios no financiamento do Plano Emergencial para conter a superlotação no Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel.
Para o Governo do Estado, é importante manter a cooperação interfederativa, e por isso, tem demonstrado compromisso com os municípios ao assumir custos que, muitas vezes, são de responsabilidade exclusiva dos gestores municipais. “É importante esclarecer que a responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (SESAP) é de ser condutora das políticas públicas, bem como, de forma complementar, garantir acolhimento de todos os pacientes que necessitem de atendimento hospitalar no Estado, especialmente em casos graves, de alta complexidade”, disse em nota.
De acordo com a proposta, haverá a criação de um consórcio para dividir as despesas entre os entes envolvidos. O custo mensal para que o serviço seja organizado é estimado em R$ 900 mil e o Governo se propôs a arcar com 40% do custo, o restante seria distribuído entre os municípios, sendo Parnamirim R$ 199 mil; São Gonçalo do Amarante R$ 78 mil; Macaíba: R$ 76 mil; Ceará Mirim R$ 69,4 mil; São José do Mipibu R$ 69,2 mil; e Extremoz R$ 45,5 mil.
O Governo do RN ainda disse que a construção do Hospital Metropolitano, com 350 leitos, será licitada ainda este ano, o que contribuirá decisivamente para desafogar o Hospital Walfredo Gurgel e melhorar o atendimento à população.
TRIBUNA DO NORTE
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