A briga entre facções criminosas na disputa por território e
o domínio no tráfico de drogas possui um novo componente no Rio Grande do
Norte. A facção cearense Guardiões do Estado (GDE) já se faz presente no RN e
já possui influência e capilaridade em municípios da região Oeste do Estado,
limítrofes com o Ceará, em especial Mossoró, berço da facção no RN. A TRIBUNA
DO NORTE apurou, com fontes da segurança pública, Ministério Público, Polícia
Civil e pesquisadores, que a entrada do grupo cearense tem com objetivo
rivalizar com o Sindicato do Crime do RN (SDC-RN) na disputa pelo tráfico de
drogas e expansão territorial. Aliado a isso, também já é possível confirmar a
presença da facção paraibana, Okaida, ainda que em menor número e em
influência, em território potiguar.
Criada em 2016, no Ceará, o objetivo da entrada da facção no
RN seria a expansão territorial e domínio do tráfico de drogas. De acordo com
investigações da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, a presença da facção
cearense no Estado começou a se costurar em meados de 2016. A história, no
entanto, remete a 2014, momento da fundação de uma facção mossoroense chamada
Caveiras, parceira do Primeiro Comando da Capital (PCC) à época. Anos depois,
houve ruptura entre eles.
Aliado a isso, um nome teve papel importante na entrada do
GDE no RN: Francisco Magno da Silva, o “Magno Bombado”. Informações da Polícia
Civil do Ceará dão conta de que Magno, que é potiguar, tinha intenção de
expandir ações do SDC-RN no Ceará, porém, acabou sendo preso na praia de
Icaraí, em julho de 2017, numa casa de luxo. Na residência, a Polícia apreendeu
aproximadamente 30 kg de maconha, duas pistolas, sendo uma calibre 380 e a
outra .40. Posteriormente, o potiguar virou membro do GDE, após contatos nas
prisões cearenses.
“Magno foi preso em Fortaleza, mas é mossoroense. Ele morava
lá, era do GDE e morava em Mossoró e tinha intenção de expandir a facção (GDE)
para Mossoró. Foi aí que ele encontrou os Caveiras, que precisavam de uma
facção maior para receber armamento. O Sindicato é uma facção inimiga deles”,
explica o delegado Alex Wagner, titular da Divisão de Polícia do Oeste
(Divipoe).
“Identificamos que eles atuavam num bairro junto com uma
facção chamada Caveiras. As lideranças se juntaram para expandir a facção cearense
em Mossoró. O GDE forneceu armas, para eventuais confrontos, e drogas, para
venda”, cita.
Influência
Ainda segundo o delegado Alex Wagner, a facção possui
influência nos municípios da região Oeste que estão localizados próximos à
divisa com o Ceará, como Mossoró, Baraúna, Tibau, Apodi, Rodolfo Fernandes, São
Miguel, Governador Dix-Sept Rosado, Severiano Melo, São Francisco do Oeste,
Encanto, Doutor Severiano, Venha Ver e São Miguel.
Delegado Alex Wagner, da Divisão de Polícia do Oeste, conta
que intercâmbio foi iniciado após prisão de potiguar no Ceará |
“O GDE tem muita influência, nessa zona de “mito” entre o RN
e o Ceará, que pega Apodi, Severiano Melo, Rodolfo Fernandes, São Miguel. Não
quer dizer que eles dominam, mas quer dizer que alguém tenha ligação com eles
nessas cidades”, acrescenta.
“A região do Alto Oeste é muito parecida com a região do
Jaguaribe, no Ceará. Quixeré é colado em Baraúna, por exemplo. Então aquela
região onde há mais população e economia ativa, tem um intercâmbio grande. Tudo
que acontece do lado de lá, reflete no RN. O GDE chegou nessa região:
Apodi/Taboleiro Norte. Quando conseguiu dominar o outro lado, se expandiu para
cá. Esse pessoal não quer saber de divisa. Quer lucro e dominação da região”,
diz o MPRN.
Para o cientista social e especialista em Segurança Pública, Francisco Augusto Cruz,
a entrada do GDE no RN possui outros aspectos sociais e históricos que
correlacionam as cidades de Mossoró e Fortaleza, distantes a 200 km. “Mossoró
fica a 40km do Ceará. É praticamente parte da mesma cidade. Morei lá por 15
anos e percebi que as pessoas diziam preferir ter relação com Fortaleza do que com
Natal, com recepção maior. Uma rixa infantil, mas que de fato acontece”,
lembra.
Inquérito
Em 2020, a Delegacia de Narcóticos de Mossoró instaurou
inquérito policial para investigar a atuação e prender suspeitos de integrar a
facção cearense no Estado. O inquérito foi remetido ao Poder Judiciário em
outubro do ano passado.
A Operação “Comandos” expediu 44 mandados de prisão e de
busca e apreensão. Durante as diligências, foram detidos nove suspeitos, em
decorrência de mandados de prisão preventiva. Três deles já estavam no sistema
penitenciário e receberam nova voz de prisão. Pelo menos outros 15 alvos seguem
foragidos, de acordo com o delegado responsável pela investigação.
“Foram 32 pessoas indiciadas, todas com mandado de prisão,
cerca de 14 estão presos, com o restante foragido. Foi essa investigação que
evidenciou a presença e atuação do GDE em Mossoró desde meados de 2016, 2017”,
acrescenta Alex Wagner.
Facção Guardiões do Estado foi fundada em 2016
Assim como a maioria das facções criminosas do Brasil, o
grupo Guardiões do Estado (GDE) foi fundado nos presídios e periferia de
Fortaleza em 2016, e surgiu num contexto de expansão das duas maiores facções
do País: Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC). A facção
foi fundada em janeiro de 2016, mas há relatos de que a organização já se
articulava anos antes.
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Facção cearense já foi “parceira’ do PCC naquele estado. Alianças e rupturas são comuns |
Segundo apurou a TRIBUNA DO NORTE com o Ministério Público do
RN, a facção cearense já foi “parceira” do PCC no Estado, tendo hoje autonomia
em suas ações, rivalizando, inclusive, com o Sindicato do Crime.
“Já foram parceiros. Houve um atrito, inclusive, e em algumas
unidades do Estado eles pararam de coabitar. Existem facções que não são a
mesma, por exemplo GDE e PCC, mas que coabitavam, viviam em parceria. Houve uma
rixa interna e se separaram. Hoje o GDE é autônomo, mas entrando devagar
naquela região”, cita fonte do MPRN.
Assim como outras facções criminosas, o GDE tem um estatuto
com regras rígidas e com uma série de artigos e diretrizes a serem seguidas
pelos seus membros. O estatuto possui 14 artigos, dentre eles contribuição
financeira mensal entre os integrantes, amparo aos “irmãos” dentro ou fora do
Ceará. Outra característica do GDE, segundo pesquisadores, é a facilidade em
aceitar jovens.
“Nossa força e nossa união farão que ecoe a liberdade contra
todo tipo de opressão causado pelo governo, ou mesmo qualquer outro instrumento
que venha a oprimir, ou se posicionar contra nossa ideologia e nossa luta”, diz
texto do estatuto.
“Os Guardiões do Estado surgiram como um sindicato dos
criminosos, uma organização pensada para protegê-los das opressões do Estado.
Onde haja opressão, seja no sistema prisional ou nas ruas, eles vão atuar. Uma
das características do GDE para sua expansão é que a cobrança da cebola, da
mensalidade, é proporcional ao tamanho do criminoso, que não vai passar fome em
casa para pagar a mensalidade. Ele não vai precisar vivendo no mundo do crime
fazendo assaltos para pagar a facção. Ele vai pagar de forma proporcional a sua
renda”, cita o cientista social e
especialista em Segurança Pública,
Francisco Augusto Cruz.
Essa “opressão” citada pelos Guardiões do Estado, inclusive,
teria sido a motivação para uma série de ataques registrados no Ceará em janeiro
e fevereiro de 2019. Na ocasião, o governador Camilo Santana (PT) criou a
Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) convidou o policial civil Luís
Mauro Albuquerque para seu comando. O agente estava comandando pasta com
características semelhantes no Rio Grande do Norte e atuou como coordenador de
uma força-tarefa que retomou o controle da Penitenciária Estadual de Alcaçuz
após as rebeliões ocorridas em janeiro de 2017.
Os ataques seriam uma retaliação à nomeação do secretário,
favorável ao endurecimento de procedimentos ocorridos nos presídios cearenses.
Segundo reportagem do jornal O Povo, de março de 2020, a
facção cearense chegou a propor pagamento de R$ 500 mil pela morte do
ex-secretário da Secretaria de Justiça e Cidadania do RN e R$ 1,5 milhão pela
morte do governador cearense.
TRIBUNA DO NORTE