Diante dos frequentes
casos envolvendo um grupo de advogados criminalistas flagrados enviando e
recebendo mensagens ilícitas para lideranças do crime organizado dentro das
unidades prisionais do Rio Grande do Norte, a Secretaria da Administração
Penitenciária (SEAP) estabeleceu novas regras para assistência jurídica nos
presídios. Os advogados, agora, passarão pelo bodyscam (aparelho de raios-x
semelhante aos utilizados em aeroportos) e estão limitados a 30 minutos de
atendimento por cliente.
A decisão da SEAP foi confirmada pelo juiz de federal
plantonista, Francisco Glauber, na noite deste domingo (1), após mandando de
segurança impretado pela própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O
magistrado entendeu como “razoável e proporcional”, o tempo de 30 minutos para
a assistência jurídica dos advogados, visto “a necessidade logística e de
observância de toda a rotina de uma unidade prisional”. A SEAP, em seus
registros, tem casos de atendimentos de horas a fio. Um deles com quatro horas
e trinta e um minutos de duração para um único interno já condenado. Numa
unidade com três salas de atendimento, outras assistências jurídicas ficam
prejudicadas.
Sobre o bodyscam, o juiz entendeu que o equipamento já é
utilizado “até mesmo em unidades judiciais”. “Isso não traz qualquer ofensa
jurídica à dignidade da profissão”, decidiu. “As medidas tomadas pela SEAP
são importantes porque visam impedir rebeliões, motins, homicídios e o aumento
dos índices de criminalidade. Tem o objetivo evitar eventos críticos no sistema
prisional. O crime organizado está usando uma minoria de advogados para levar
mensagens ilícitas e desestabilizar a paz social”, disse o secretário da
Administração Penitenciária, Pedro Florêncio.
Na decisão, no entanto, o magistrado suspendeu outras medidas
que a SEAP entende como necessárias para a segurança pública. A SEAP pleiteava
o atendimento jurídico de um preso por advogado ao dia, por unidade prisional,
e a revisão de seus pertences, inclusive da documentação. Tal medida é
importante por causa dos constantes casos de recados apreendidos dentro dos
presídios. “Lamentamos a decisão que limitou o exercício da manutenção e
controle da segurança, da ordem e da disciplina. Mas o Estado, quando for
notificado, irá recorrer através da PGE”, garantiu o secretário Pedro
Florêncio.
Acredita-se, de acordo com mensagens apreendidas, que os
“gravatas”, como são chamados os advogados com ligações perigosas com
criminosos, chegam a receber até mil reais por intermediação das “conversas”.
Tal “serviço” é importante para o crime organizado pela impossibilidade dos
detentos terem acesso à aparelhos celulares. No sistema prisional, não existem
celas com energia elétrica e as revistas são extremamente rigorosas. “Não vou
mais mandar gravata (advogado) aí porque CADA IDEIA É MIL REAIS”, SIC de um dos
bilhetes em poder da polícia.
Numa das mensagens, levada por um advogado, constam crimes
como tráfico de drogas, porte e posse de arma de fogo e movimentação detalhada
financeira da organização criminosa. “Em relação a LSD, para conseguir e
ajeitar o material, a mulher de XXXXX que vai ensinar como fazer acontecer.
Aonde estão os MÓNEIS, O FERRO (ARMA) E OS DINHEIROS, ele ficou na mão dela”,
SIC de umas das mensagens apreendidas.
Em outro trecho, o interlocutor diz: “Em cima da ideia do
XXXXX, já que ele vem passando por cima das ideias é para afastar ele da QBD
(Quebrada. Ponto de venda de drogas) e para brecar ele de vender por 6 meses,
se passar por cima, levar ele para o conselho (liderança de facção) e explicar
o que levou a isso. Caso passe por cima das ideias do XXXXX, XXXXX e do
conselho, já era. Em cima das mercadorias, os manos XXXXX e XXXXX, tão com
autonomia de abastecer geral”. São identificados 25 pessoas em estrutura
organizada e com divisões de tarefas, típica de organizações criminosas.
Com outro advogado, também na penitenciária de segurança
máxima, foi apreendido o seguinte bilhete: “Aí XXXXX tá sabido demais. O
cavalo lá eu tenho interesse mas desse valor não. O cavalo lá eu conheço. Dá
pra ficar por 65 1 de leite 1 de oro 10 mil”. Outra mensagem, desta vez
apreendida com uma advogada, fala da disputa por pontos de venda de drogas.
“Mano velho, o que eu posso fazer para te ajudar é colocar dois aviões lá no
campo, desde que pegue comigo. Se você encantar de mandar colocar avião para
trabalhar com mercadoria dos outros não vai dar certo porque eu vou mandar
parar”.
Outro bilhete, apreendido na sala de atendimento dos
advogados, após a assistência jurídica a três internos, trata da venda de entorpecentes e produtos de roubos e furtos. O material foi apreendido e
registrada ocorrência na Polícia Civil. “Foi determinado que o rapaz ia vender
lá dentro do beco. Ele começou a discutir e todos pegaram a visão do que
aconteceu e ele foi disciplinado”, diz um dos trechos.
O vasto material apreendido no sistema penitenciário foi
encaminhado à Polícia Civil e ao Ministério Público para ser objeto de
investigação. Algumas apreensões foram registradas pelas câmeras de circuito
interno das unidades, inclusive casos de troca de salas atendimento para que o
advogado pudesse falar com liderança do crime organizado que sequer era cliente
dele. As imagens também estão em poder das autoridades. “A SEAP reconhece a
importância do advogado para a administração da Justiça e para a execução penal
e que os casos envolvem uma minoria”, enfatizou o secretário.
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