O procurador da República Fernando Rocha, que acompanha
acordo de cooperação técnica que apontou indícios de desvio de verbas federais
em vários municípios do Rio Grande do Norte, parte deles por meio do “orçamento
secreto”, afirma que o Ministério Público Federal irá aprofundar a investigação
em diversos municípios, como Pau dos Ferros, Mossoró e Assú, onde, a partir de
agora, procuradores da República se debruçarão sobre conclusões do relatório,
verificando a procedência do que foi constatado.
Relatório assinado em conjunto por Denasus (Departamento
Nacional de Auditoria do SUS) e Ministério Público Federal e LAIS (Laboratório
de Inovação Tecnológica em Saúde) apontou supostas irregularidades em repasses
de verbas federais para diversas prefeituras. Segundo o procurador Fernando
Rocha, o documento destaca casos como os do município de Olho D’água do Borges,
onde registrou-se a aferição de pressão arterial equivalente a 228 vezes em
cada habitante no ano de 2020.
Já em Fernando Pedroza realizou-se um número de “dispensações
de medicamentos” (entrega do remédio ao paciente) 226 vezes superior ao da
população, no ano de 2017. Já em Antônio Martins houve proporcionalmente 120
testes de glicemia para cada habitante, ao longo apenas dos sete primeiros
meses de 2022 (o relatório traz dados até julho deste ano), “o que equivale a
realizar o teste a cada 42 horas em toda a população”. Nesses mesmos sete
meses, em Carnaúba dos Dantas, foram registrados o equivalente a 108
“atendimentos de urgência em atenção primária com remoção” por morador. Já em
2017, Riacho de Santana realizou 117 exames de urina por habitante.
“Isso vai ser, de fato, investigado pelo Ministério Público
Federal. O objetivo deste relatório e desse acordo de cooperação é exatamente
trazer esses ‘tracks’ de investigação para permitir que o Ministério Público
possa aprofundar essas supostas ou visíveis irregularidades apresentadas no
relatório”, detalhou Rocha, para quem “os diversos colegas do MPF, no âmbito do
Rio Grande do Norte, irão atuar por meio de procuradorias no interior, como Pau
dos Ferros, Mossoró e Assú. “Em Natal, a depender do município investigado,
será a de um desses municípios”, observou.
Segundo o relatório apresentado nessa terça pelo MPF/RN,
assim como qualquer outra política pública, o Sistema Único de Saúde (SUS) não
está isento de casos de fraude e corrupção.
“Recentemente surgiram diversas denúncias de uso inadequado
dos recursos públicos, podendo destacar, o de manipulação dos números do SUS
(procedimentos supostamente realizados nos municípios brasileiros) para
justificar repasses financeiros. Infelizmente, esta é uma prática antiga que na
verdade se modernizou”, diz o documento. Ainda na década de 1980, foi
desbaratado um caso de fraude que consistia na emissão fraudulenta de internações
hospitalares e consultas inexistentes.
Entretanto, no ano de 2020, o então Congresso Nacional e o
presidente Jair Bolsonaro, em comum acordo, criaram o chamado “Orçamento
Secreto”, uma nova forma de Emenda Constitucional que permite aos parlamentares
a administração dos recursos de verbas federais de forma anônima. O Tribunal de
Contas da União (TCU), segundo reportagens, destaca em parecer que o modelo
adotado pode trazer vantagens eleitorais para os parlamentares beneficiados por
eles, alegando que a falta de critérios de equidade na distribuição de emendas
tem o potencial de afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos
pleitos eleitorais.
“Maior irregularidade é ausência de transparência”, diz
procurador
Para Fernando Rocha, do MPF/RN, a grande irregularidade e a
maior delas apontada no relatório é sem dúvida alguma a ausência de
transparência, principal desvio ocasionado pelo orçamento secreto. “A ausência
de transparência permite e estimula esse tipo de irregularidade. Para além da
irregularidade, de malversação dos recursos públicos que a gente pode
identificar, a possível inserção de dados falsos no sistema único de saúde,
isso atrapalha sobremaneira a política pública da saúde”, afirmou.
Ao analisar os dados de aplicação do orçamento, inclusive o
secreto, no Rio Grande do Norte, o relatório divulgado pelo MPF lembra que
foram repassados de janeiro de 2015 a julho de 2022 para prefeituras e governo
do RN um total de pouco mais de R$ 1 bilhão – R$ 1.074.641.744,00 em valores exatos.
O ano de 2021 superou o de 2020 em 163,4% dos valores recebidos. Já para o ano
corrente, 2022, cujo dados disponibilizados correspondem até o mês de
julho/2022, já superou 2021 em pouco mais de R$ 18,6 milhões.
Estes números representam repasses de todos os tipos de
emendas parlamentares que foram associados à gestão do SUS no estado do RN. Ao
destacar somente as Emendas do Relator (RP9), conhecidas como “Orçamento
Secreto”, os municípios já receberam pouco mais de R$ 200 milhões – ou R$
202.305.625,00, onde é possível notar um crescimento de 463,8% entre 2020 e
2021, enquanto o ano de 2022, até o mês de julho, já corresponde a 50,27% dos
valores recebidos em 2021.
“Então para mim, o grande problema de tudo isso é essa
ausência de transparência”, afirma Fernando Rocha. “A gente fica impossível de
identificar quem foi o parlamentar autor da emenda e isso é ruim para o sistema
republicano. A República Democrática Brasileira impõe transparência das contas
públicas. Não se pode furtar a opinião pública nem mesmo ao Ministério Público
essas informações”, critica.
Indagado se o objetivo do orçamento secreto foi privilegiar
candidaturas eleitorais como a do ex-ministro do Desenvolvimento Regional,
Rogério Marinho (PL), candidato do presidente Jair Bolsonaro no Rio Grande do
Norte, Rocha disse não ter como confirmar. “Eu não tenho como saber se isso foi
por questões eleitorais, não compete a mim fazer esse juízo, e sem dúvida
alguma houve um aumento exponencial disso a partir de 2020”, afirmou,
coincidentemente após Marinho assumir o Ministério. “Os relatórios revelam que
a partir da emenda de relator da RP9, esses valores foram distribuídos de forma
acentuada, de forma exponencial. Coincidentemente ou não, a partir desse período
aumentou também esse tipo de inflação as informações públicas de saúde”.
AGORA RN