Após críticas de que a nova Procuradoria de Defesa da Democracia da AGU (Advocacia-Geral da União) poderia promover censura e patrulhamento, o órgão responsável pela representação jurídica do governo disse que “sob nenhuma hipótese” ela “cerceará opiniões, críticas ou atuará contrariamente às liberdades públicas consagradas na Constituição”.A AGU pretende se inspirar em modelos de combate à desinformação que já funcionam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e no STF (Supremo Tribunal Federal) para instalar a unidade, anunciada pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, na última segunda-feira (2).
O anúncio e a falta de detalhamento de como atuará a estrutura criaram apreensões a respeito do que a nova Procuradoria poderá tratar como desinformação.
As queixas partiram principalmente de parlamentares oposicionistas. “O governo Lula criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia cuja função é ‘enfrentar a desinformação’. Alguém duvida que isso só vai servir de patrulha do pensamento e censura?”, escreveu nas redes sociais o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP).
O também deputado federal Lucas Redecker (PSDB-RS) disse: “Questiono se o tal decreto, que cria uma Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, é realmente uma necessidade ou apenas uma forma de controlar críticas às políticas públicas?”
A AGU, porém, afirma que a regulamentação da Procuradoria passará pelo crivo de especialistas, de órgãos e instituições que defendem a democracia e da própria imprensa profissional.
A pasta também argumenta que estuda firmar parceria com agências de checagem e com outros órgãos da sociedade civil.
“Essa regulamentação deverá ser submetida à consulta pública para permitir que diferentes setores da sociedade, incluindo especialistas e representantes de outros órgãos e instituições imbuídos da defesa da democracia, como a própria imprensa profissional, possam opinar e sugerir aprimoramentos”, diz a AGU em nota.
Segundo o órgão, as críticas às medidas decorrem da “incompreensão do papel da AGU nessa seara”.
“Com a regulamentação da estrutura da unidade e com sua sistemática e parâmetros de atuação definidos, ficará mais claro para os parlamentares, e para a sociedade em geral, qual é o propósito da nova Procuradoria que, em síntese, é a defesa das políticas públicas contra mentiras que resultem em problemas reais para a população beneficiária dessas políticas.”
Internamente, diante das críticas de que a nova Procuradoria poderia ter viés autoritário, a AGU tem frisado que não tem poder de polícia. De acordo com a pasta, eventuais demandas ao órgão a respeito de violações de políticas públicas por meio de desinformação serão analisadas pelos futuros integrantes da unidade e levados para o Judiciário.
Ainda há uma série de indefinições sobre como a unidade atuará e qual será a sua estrutura. Ainda não foi escolhido, por exemplo, quem chefiará a Procuradoria de Defesa da Democracia.
Também não há uma definição de quando ela começará efetivamente a funcionar. O decreto que criou a unidade entra em vigor no dia 24 de janeiro. Depois disso, será apresentada sua regulamentação interna, que ainda passará pela consulta pública.
Só então a Procuradoria de Defesa da Democracia iniciará seus trabalhos.
O TSE tem desde 2019 um programa de combate à desinformação, que no ano passado contava com 154 parceiros, entre entidades públicas e privadas e até redes sociais e plataformas digitais, além de agências de checagem.
Junto à Justiça Eleitoral, esses parceiros monitoram notícias falsas, que são coletadas e, a depender da gravidade, encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral e às demais autoridades para medidas legais.
No ano passado, porém, algumas medidas de combate à desinformação do TSE levantaram preocupação das empresas de tecnologia e de advogados eleitorais. Uma resolução aprovada pelo tribunal ampliou os poderes do presidente da corte, Alexandre de Moraes, com o objetivo de endurecer a atuação contra as fake news nas redes sociais.
No Supremo, o Programa de Combate à Desinformação foi instituído em resolução de 2021, em meio aos ataques que o tribunal sofria de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O programa é coordenado por um comitê gestor integrado por membros do tribunal.
Ações de combate à desinformação, no STF, também têm sido alvo de questionamentos. Em inquéritos como o das fake news, o ministro Alexandre de Moraes tem determinado a suspensão de perfis de redes sociais de políticos e de outras pessoas que atacaram instituições e até de um partido político, o PCO.
Empresas de tecnologia têm reclamado que as determinações do ministro fizeram censura genérica a conteúdos que muitas vezes são lícitos. As companhias também chegaram a pedir que o STF apontasse de forma clara qual o conteúdo ilegal para que as publicações fossem derrubadas pontualmente, dispensando assim o bloqueio de páginas inteiras.
Essas empresas entendem, no geral, que não se pode determinar a remoção de postagens que não ferem as instituições ou reproduzem fake news e que impedir usuários de publicarem novos conteúdos é “censura prévia”.
No discurso em que divulgou a criação da Procuradoria de Defesa da Democracia, Messias disse que o objetivo dela será “contribuir com os esforços de democracia defensiva e promover pronta resposta a medidas de desinformação e atentados à eficácia das políticas públicas”.
De acordo com a AGU, a atuação da unidade será baseada em precedentes de tribunais, sobretudo do Supremo, e na atuação das agências de checagem de informações falsas.
O órgão também estuda a possibilidade de fazer parceria com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e da ABI (Associação Brasileira de Imprensa).
Segundo a AGU, sua atuação será “para proteger” liberdades públicas estabelecidas na Constituição. “Importante ressaltar que a desinformação mina a confiança nas instituições públicas, além de prejudicar a democracia ao comprometer a capacidade dos cidadãos de tomarem decisões bem informadas, com impactos sociais, políticos, econômicos e jurídicos de cunho negativo”, diz o órgão.
“Do mesmo modo, afeta o trabalho da imprensa profissional e a própria liberdade de expressão. Por fim, ressalta-se que a divulgação de informação com erro não intencional não é desinformação.”
JOSÉ MARQUES
FOLHAPRESS