O sistema de saúde pública do Rio Grande do Norte não dispõe de estrutura e equipamentos suficientes para atender a demanda de pessoas com obesidade mórbida e super obesos. A afirmação vem de profissionais que trabalham diretamente no serviço de atendimento a esse público. Faltam materiais e equipamentos adaptados para as pessoas que sofrem com obesidade sejam melhor atendidas. No Brasil, a condição de obesidade atinge cerca de 22,4% da população e os super obesos representam 1% desse total, segundo o último levantamento da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel).
A nutricionista da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Érika Melo, responsável pela Linha de Cuidados as Pessoas com Sobrepeso e Obesidade, relata que nem o hospital especializado nesses casos tem capacidade para lidar com o número de pacientes obesos que necessitam de atendimento. “O que a gente sabe e percebe é que nem ele [HUOL] tem equipamentos suficientes para superobesos”, comenta. A secretaria atua na articulação com os serviços municipais e o hospital de referência.
A deficiência é vista na falta de materiais adequados para atendimento, não encontrados na rede pública estadual e municipal. “Para pessoas com superobesidade e IMC 50 ou 60, nenhum hospital, de fato, aqui no RN, tem material suficiente”, afirma a profissional. O termo “superobesidade” é usado para pessoas com IMC – Índice de Massa Corpórea - acima de 50. Esse índice é calculado a partir da divisão do peso pela altura, usado para determinar o grau de massa corporal de um indivíduo.
Ainda de acordo com Melo, cabe ao hospital adquirir todos os materiais necessários. “É de responsabilidade do hospital adquirir esse material. Se a gente for pensar num hospital regional nosso, a gente não tem esse material”, diz a nutricionista, avaliando que a falta de equipamentos é uma falha do sistema de saúde. “É necessário também ter um medidor de pressão (adaptado) para pessoas obesas. Então, de fato a gente tem essa falha”, completa.
Érika Melo destaca que a saúde do Estado não dispõe sequer de maca própria para esses pacientes. “Uma maca para 300 kg, a gente não tem no RN. Uma balança também acima de 150kg a gente não possui. É nessa situação que a gente se encontra”, pontua. A maca é um dos principais equipamentos para a permanência do paciente em uma unidade.
De acordo com o chefe da Unidade de Cirurgia e coordenador do Serviço de Cirurgia da Obesidade e Doenças Relacionadas (Scode) do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Igor Marreiros, a instituição tem todos os materiais exigidos pelo Ministério da Saúde para atender pacientes obesos, mas a demanda é crescente, bem como a necessidade de adquirir novos equipamentos.
“O HUOL dispõe de todos os equipamentos previstos na portaria normativa do Ministério da Saúde acerca do serviço de assistência de alta complexidade ao portador de obesidade grave, no entanto, cada vez tem surgido mais pacientes com peso muito superior ao previsto pelo Ministério”, frisa o Marreiros. “Por exemplo, é exigido cama hospitalar para pelo menos 230Kg, temos para 350Kg, porém jé chegou paciente com 354Kg”, explica.
O Onofre Lopes é o hospital referência no tratamento dos casos mais avançados da obesidade e as deficiências na estrutura para receber pessoas obesas se agravam quando todos os pacientes críticos e com indicativo para fazer cirurgia bariátrica – pessoas com IMC acima de 50 – são direcionadas apenas para o HUOL, o que aumenta a demanda e não permite com que o hospital atenda a todos. “A demanda é muito maior do que a nossa capacidade”, constata o coordenador do Scode.
Fila para cirurgia bariátrica dobrou
Com o aumento da demanda, a falta de hospitais capacitados para o atendimento tem se tornado mais latente. Em conseqüência, a fila de pessoas à espera da cirurgia bariátrica mais que dobrou em um ano no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). Atualmente, 260 pacientes aguardam pelo procedimento. Em março de 2022, eram 120. Normalmente, o hospital realiza cerca de 10 cirurgias por mês e apenas seis pacientes foram operados. Dos que aguardam, 55 já concluíram todo o preparo pré operatório e esperam a programação da operação, sem perspectiva de data. Outros 28 concluíram a fase de avaliação e aguardam realização do preparo que está parado no momento. Há também 27 pacientes que ainda não concluíram a fase de avaliação e cerca de 150 que esperam pela primeira consulta.
De acordo com Igor Marreiro, coordenador do Serviço de Cirurgia da Obesidade e Doenças Relacionadas (Scode) do HUOL, caso o hospital volte a normalidade, ainda não alcançada devido a pandemia de covid-19, levaria até três anos para zerar a fila, já que a demanda tem aumentado. “A fila cresce mais rápido do que o que conseguimos tratar. Nem mesmo se 100% da capacidade instalada do HUOL fosse dedicada apenas à realização de cirurgias bariátricas, ainda assim o quantitativo seria insuficiente”, explica Marreiro”, diz ele.
Os pacientes operados passam por uma triagem rigorosa, que leva em consideração o grau de obesidade e doenças associadas, apenas os casos mais graves são selecionados. Um desses casos graves é o do paciente Bruno Tavares, 42. Com 177 kg, ele estava internado no HUOL há uma semana, antes do carnaval, prestes a fazer a segunda etapa da bariátrica. Antes disso, esperou um ano para conseguir a cirurgia. A demora se deu por não ter conseguido realizar os exames de avaliação em outros hospitais, devido seu peso, constatando a dificuldade que pessoas obesas enfrentam na rede. “Eu esperei um ano, fiz a primeira parte e são dois tempos”, relata. A primeira parte que ele cita, ocorreu quando pesava 220kg.
Por ser um paciente grave, precisou esperar seis meses para a conclusão do procedimento. “A gente usa essa estratégia para diminuir o risco. É a mesma cirurgia, mas a gente faz só metade”, explica Igor Marreiro, coordenador do Scode.
Além disso, a espera também aconteceu porque em outros hospitais da rede não foi possível realizar os exames. “A rede não consegue fazer os exames. O ecocardiograma, a onda emitida pelo aparelho não tem força para ver o coração, a endoscopia, nenhum lugar faz, tem que fazer aqui também”, relata o cirurgião. Com isso, o paciente precisou esperar a liberação de um leito para conseguir concluir essa etapa apenas no HUOL.
Para que a situação seja atenuada, Marreiro afirma que é necessário identificar e tratar os casos mais rapidamente. “O que a gente deveria fazer é não deixar ninguém chegar a 300kg. Como toda doença crônica, a obesidade é melhor e mais facilmente tratada se o tratamento for instituído precocemente”, comenta.
No entanto, ele ressalta que encontrar formas de equipar e preparar os hospitais para equilibrar a demanda, é responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (Sesap) e isso ainda não tem sido cumprido. “A Sesap nunca mexeu uma palha para pensar em possibilidades de criar outros serviços”, afirma.
Ele aponta que a secretaria “peca” por não desenvolver campanhas e ações de conscientização sobre obesidade que diminuam a quantidade de pessoas com sobrepeso a partir da linha de atenção básica. A TRIBUNA DO NORTE questionou a Sesap sobre o assunto, mas a demanda foi repassada à Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS). TRIBUNA DO NORTE