Além das motivações e lideranças que coordenam os ataques no RN, a Polícia Civil do Rio Grande do Norte investiga uma eventual parceria financeira da facção carioca Comando Vermelho (CV) com a facção potiguar Sindicato do Crime para o cometimento dos ataques. O delegado descartou ainda uma possível trégua entre a facção potiguar e o grupo paulista PCC.
“Quem tem financiado é o caixa da facção, em que os membros contribuem, e tem os caixeiros da organização. Tivemos uma prisão há cerca de 15 dias, de uma mulher que fazia parte dessa organização financeira. Todo dinheiro que arrecada vai para uma conta sob a custódia do caixeiro. Recebemos a informação de que o Comando Vermelho estaria emprestando cerca de R$ 200 mil para fortalecer o caixa deles e colaborar nos ataques”, investiga o delegado Luciano Augusto, diretor da Deicor-RN.
Em reportagem publicada na quinta-feira (16), o portal G1 apontou uma outra motivação como possibilidade para os ataques: transferências de líderes do SDC-RN para presídios federais. A reportagem também cita uma possível trégua entre PCC e SDC-RN, o que não foi identificado por profissionais ligados às investigações no Rio Grande do Norte.
Para fontes da segurança pública do Rio Grande do Norte, a motivação para os ataques segue sendo as cobranças por regalias nos presídios.
“Questionamos isso, inclusive aos membros que interrogamos, e eles dizem que é impossível essa união entre as facções pelas mortes que já ocorreram, de um lado e de outro. Chegou isso para nós, mas não confirmamos”, aponta o delegado Luciano Augusto, da Deicor.
Na última sexta-feira (17), uma força-tarefa envolvendo policiais civis, militares e federais, desarticulou uma organização criminosa que atuava no litoral sul potiguar. Investigações apontam prática de tráfico de drogas e assaltos. O grupo também é suspeito de envolvimento na morte de agentes da segurança pública. Mandados foram cumpridos e 18 pessoas foram presas. Um outro suspeito foi ferido em confronto, socorrido, mas não resistiu. Armas e drogas foram apreendidas.
A Operação Normandia identificou que a organização movimentava aproximadamente R$ 150 mil por mês com tráfico e assaltos. O dinheiro era repassado para José Kemps Pereira de Araújo (Alicate), 45 anos, preso por uma força-tarefa em janeiro por cumprimento de decisão judicial. Ele é apontado como um dos chefes e fundadores do Sindicato do Crime. Na última quarta-feira (14), Alicate, como é mais conhecido, foi transferido da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, para o Presídio Federal de Mossoró, por ser apontado como um dos mandantes dos ataques criminosos que vem ocorrendo no Estado.
Ataques
As atenções acerca do SDC-RN voltaram a ganhar novos contornos nesta semana com uma série de ataques a ônibus, carros particulares, instituições públicas serviços básicos da população, com o intuito de cobrar demandas relativas ao sistema penitenciário, como televisão, ventiladores e visita íntima, além de externar aversão aos procedimentos de rigor adotados nas prisões potiguares, situação que mudou após a rebelião de 2017, quando 27 presos morreram na maior matança em presídios do RN. Aliado a isso, ações repressivas como prisões e apreensões de drogas e armas das forças de segurança também seriam uma outra motivação para os ataques.
O Estado foi obrigado a pedir reforço da Força Nacional e estados vizinhos. O reforço para a Segurança Pública do Rio Grande do Norte contará, ao todo, com 500 homens da Força Nacional até o domingo. Foi o que afirmou a Secretaria de Segurança do Estado (Sesed), na manhã desta sexta-feira (17). Atualmente, o estado conta com 200 agentes da Força Nacional nas ruas. A presença das Forças Armadas, cobrada por diversos políticos e solicitada oficialmente pela oposição ao presidente Lula, não é cogitada pelo Governo Estado.
Apesar observarem redução nos ataques nesta sexta-feira, o Ministério da Justiça encaminhará mais homens da Força Nacional para o reforço da segurança na capital e interior. O ministro Flávio Dino chegou a afirmar que poderia encaminhar até 800 homens ao estado, mas a expectativa é que 500 estejam atuando até domingo.
Sobre a possibilidade de solicitar reforço às Forças Armadas, o Governo ainda considera desnecessário " tendo em vista que já foi confirmado o reforço por parte do ministro Flávio Dino de mais agentes da Força Nacional".
Aliança com advogados e desafio ao Estado
Fundada em 2013, o Sindicato do Crime do RN (SDC-RN) surgiu de uma ruptura de presos potiguares com membros ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das maiores facções da América Latina, fundada em São Paulo. O maior ponto de embate entre as facções foi em 14 de janeiro de 2017, quando 27 presos morreram no episódio conhecido como “Massacre de Alcaçuz”.
A data do aniversário da facção é 27 de março, fato que sempre leva à segurança pública potiguar a monitorar comemorações de festas em regiões dominadas pelo grupo. No Youtube, são vários os vídeos com exibição de armas, funks e músicas com letras alusivas à facção. Um desses vídeos possui mais de 400 mil visualizações.
Nos últimos anos, a facção têm demonstrado poder de fogo e crescimento e mudanças nas dinâmicas criminosas. Desde 2019, membros do SDC-RN têm se aliado a advogados, chamados de “gravatas”, que intermediam mensagens das celas e repassam para as lideranças fora das prisões, estabelecendo elos criminosos e mantendo o domínio do que acontece nas ruas. A chamada “Sintonia dos Gravatas” foi alvo de operações e investigações do Ministério Público, que gerou, desde 2019, pelo menos sete denúncias e duas condenações de advogadas.
Aliado a isso, a facção chegou ao elaborar planos ousados, como coordenar ações de roubos à carros-forte, instituições financeiras e bancos. Conforme noticiou a TRIBUNA em 2021, membros do SDC-RN chegaram a elaborar um plano de resgate de presos na maior prisão do RN, o Complexo de Alcaçuz.
Segundo investigações, a Polícia Civil frustrou o plano de membros do crime de resgatar, à base de balas e explosivos, cerca de 15 membros de uma facção de dentro do pavilhão 5 do presídio. A operação era tratada como “espetáculo” pelos envolvidos e ia requerer um investimento total de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões. O ataque ao presídio também se destacaria por outro detalhe: a união da facção criminosa com o novo cangaço.
Uma outra aliança também foi costurada nos últimos anos com a facção paraibana Okaida, com fornecimento de conexões, logística e intercâmbio de drogas. As parcerias surgem por meio das cidades que fazem divisa no RN com a Paraíba.