As festas de
final de ano, motivo de alegrias para as famílias, também são uma época de
apreensão em muitas casas. O motivo é o barulho dos fogos de artifício,
especialmente na noite do ano-novo. A proibição dos fogos de artifício com
estampido já é adotada em alguns estados e municípios para proteger pessoas e
animais dos impactos negativos à saúde. Agora, um projeto em discussão no
Senado pode estender a proibição a todo o país.
Vários
projetos, inclusive um de iniciativa popular, já foram apresentados com esse
objetivo, e dois deles estiveram na pauta das comissões nos últimos meses de
2023, mas a discussão acabou ficando para 2024. O objetivo é a proteção de quem
sofre com o estrondo dos fogos. Nesse grupo estão incluídas pessoas com
hipersensibilidade ao estampido — como é o caso de idosos, crianças, e pessoas
com Transtorno do Espectro Autista (TEA) — e também animais, tanto domésticos
quanto silvestres.
— Queremos,
sim, espetáculos pirotécnicos que celebrem a alegria, a vida, a arte e a
cultura, o lazer, repletos de cores e imagens, que risquem o céu com suas luzes
e brilhos, formas e tonalidades, mas que respeitem os seres humanos,
principalmente aqueles mais frágeis, e o meio ambiente. É essa a conciliação
desejada, o caminho do meio, que convidamos a indústria nacional a percorrer —
disse o senador Paulo Paim (PT-RS) na Comissão de Educação.
Paim é
relator do PL 5/2022, do senador
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que busca proibir em todo o território nacional,
o uso e a venda de fogos de artifício que produzem barulhos a partir da
explosão de pólvora. Pelo texto, continuam permitidos os fogos visuais,
mas é vedada a fabricação, o comércio, o transporte e o manuseio dos fogos de
artifício e de outros artefatos pirotécnicos com barulhos, seja para uso em
áreas públicas ou locais privados.
“Os ruídos
dos fogos de artifício com estampido podem alcançar de 150 a 175 decibéis,
contudo, o limite suportado pelo ser humano encontra-se entre 120 decibéis,
gerando desconforto, e 140 decibéis, considerado o limiar da dor”, disse
Randolfe ao apresentar o projeto, que está em análise na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ).
Animais
Ao
apresentar o texto, Randolfe também citou os efeitos sobre os animais. O
estampido, diz o senador, faz com que aves fujam dos ninhos e voem
desorientadas, chocando-se contra vidraças. Ele também lembrou que animais
domésticos, como cães, podem sofrer danos ao tímpano e até mesmo convulsões e
desmaios. “A sensação de estresse e medo gerada pelo barulho dos fogos é
enorme, gerando sério dano à saúde deles”, alertou o senador.
A mesma
preocupação está na justificativa do PL 439/2021, do senador
Fabiano Contarato (PT-ES), em análise na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
O projeto, que tem como relatora a senadora Ana Paula Lobato (PSB-MA), também
proíbe a fabricação e a venda de fogos de artifício com estampido em todo o país.
“Segundo
Nota Técnica do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), o barulho de
fogos de artifício pode causar danos irreparáveis à saúde dos animais
domésticos e silvestres, pois eles possuem capacidade auditiva muito superior à
dos seres humanos. Entre os danos causados pelos ruídos, citamos a perda
auditiva decorrente da ruptura dos tímpanos e a desorientação que pode gerar
acidentes graves, como enforcamentos, quedas e fugas seguidas de acidentes
automobilísticos”, justificou o senador.
A bióloga
Claudia Rocha-Campos, analista ambiental do Instituto Chico Mendes (ICMBio)
lembrou que há registros de casos nos Estados Unidos e na Suécia de
bandos inteiros de aves que apareceram mortos após a noite de réveillon. De
acordo com a especialista, qualquer ruído acima de 70 decibéis pode causar
mudança no comportamento dos animais.
— Os animais
ainda têm uma sensibilidade maior, pois conseguem escutar até frequências que o
ouvido humano não capta. Dessa forma, ruídos intensos podem causar danos físicos
e psicológicos, de forma crônica ou aguda. Há animais que têm convulsões,
outros ficam tão desesperados que podem ter parada cardíaca ou choque fatal.
Não há diferença entre os danos para os animais domésticos ou selvagens. Há
diferenças para os que têm a audição mais aguçada, como os mamíferos —
explicou.
Tutora de
quatro animais domésticos e moradora do Distrito Federal, Ulemá Campos concorda
com a proibição. Ela lembra que todos os anos, no condomínio onde mora, há
apelos para que os vizinhos evitem os fogos com barulhos. Os pedidos são feitos
principalmente por moradores com filhos pequenos e animais de estimação, mas
até agora não surtiram resultado.
—
Recentemente um vizinho perdeu seu cachorro por causa de um infarto em razão de
fogos de artifício. Todos os anos a situação de estresse se repete na minha e
em várias outras casas. Temos que lembrar também dos animais silvestres, como
pássaros, lagartos, saruês. Não é porque não estamos vendo de perto que podemos
esquecer esses danos — lamentou.
Textos
O projeto de
Fabiano Contarato determina pena de reclusão de um a quatro anos e
multa para quem fabricar, importar ou comercializar fogos de
artifício que estejam em desacordo com os limites de emissão sonora. Também
prevê detenção, de um a seis meses, e multa para aqueles que utilizarem fogos
de artifício que causarem poluição sonora.
Resultado de
uma ideia legislativa apresentada por meio do portal e-Cidadania, o (PL) 2.130/2019 proíbe a
fabricação, a comercialização e a importação de fogos de artificio que não
atendam aos limites de emissão sonora estabelecidos em regulamento. O
projeto já foi aprovado na Comissão do Meio Ambiente (CMA) em 2019 e aguarda
votação de requerimento para que seja apreciado também na Comissão de Assuntos
Econômicos (CAE).
Aprovado
pelo Senado em 2017, PLS 497/2013 proíbe a
fabricação, o comércio e a queima de balões pirotécnicos e de todos os fogos de
artifício em cuja composição tenham sido utilizados "altos
explosivos", materiais muito sensíveis que podem explodir sob a ação do
fogo ou pelo impacto de um golpe. O projeto foi enviado à Câmara, mas ainda não
foi votado.
Economia
Além dos que
defendem a tradição da queima de fogos nas festas, também há uma preocupação
com os efeitos da proibição na economia. Durante a discussão do PL 5/2022 na
CE, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) disse concordar que há
riscos e danos causados pelos fogos com barulho, mas também afirmou temer que a
proibição gerasse prejuízos à indústria nacional e não surtisse efeitos
práticos, porque ainda haveria o contrabando, por exemplo.
— Eu recebi
uma nota da CNI sobre o número de empregos ligados a essa área também: em torno
de 25 mil empregos, quase 26 mil. Então, entendo tanto o autor quanto a
relatoria, muito bem construída, mas chamo a atenção sobre como o projeto
avançar para que isso possa ser avaliado, até para a gente não cair nesse
engodo. Eu tenho muito receio de acabar proibindo as empresas nacionais e virar
um produto que entre de exportação — alertou a senadora.
Apesar de
concordar que pode, sim, haver questionamentos, tanto no aspecto cultural
quanto no econômico, a senadora Teresa Leitão (PT-PE) afirmou que a comissão
não poderia ter um posicionamento diferente do expressado pelo relator, senador
Paulo Paim, a favor da proibição.
— Não resta
dúvida de que a lei pode contribuir para um novo comportamento, uma nova
conduta. O texto é amplo, porque vai desde a fabricação até a comercialização,
mas nos preparemos para questionamentos. Eu acho que os teremos, mas concordo
com o relator: a gente não pode ter um posicionamento diferente — disse o
senador na CE.
Para o
senador Flávio Arns (PSB-PR), é preciso pensar na hipersensibilidade das
pessoas autistas, nos que se encontram em hospitais, nos animais e também no
risco gerados pelo manuseio inadequado de rojões, por exemplo, sem esquecer a
preocupação com os empregos. Para ele, o debate precisa continuar.
Justiça
Cada vez
mais, estados — como Acre, Goiás e Distrito Federal — e municípios —
entre eles Campo Grande, Goiânia, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre — vêm
proibindo os fogos de artifício com estampido. O que ocorre em muitas
localidades é que, na prática, essa determinação não está sendo cumprida.
Além disso,
houve questionamentos judiciais sobre a proibição. Em resposta a um desses
questionamentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em maio de
2023, que os municípios têm legitimidade para aprovar leis para proibir o
acionamento de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos com estampido. A
decisão, unânime, foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário 1210727,
que tratava de lei do Município de Itapetininga (SP).
Em março de
2021, a suprema corte já havia declarado a constitucionalidade de lei do
Município de São Paulo no mesmo sentido. Segundo um artigo científico anexado
ao processo, 63% das pessoas com Transtorno do Espectro Autista não suportam
estímulos acima de 80 decibéis. Também foram mencionados estudos científicos
que demonstram os danos causados pelo ruído dos fogos a diversas espécies
animais.
Fonte:
Agência Senado