Os feriados, em geral, são as datas
preferidas pelos juízes para concederem o “saidão” temporário, direito previsto
em lei aos presidiários em regime semiaberto. No entanto, as notícias de evasão
e de crimes no período retomam a discussão sobre a permanência desse mecanismo
de ressocialização. Após o Natal de 2023, o governo de São Paulo informou que
398 dos beneficiados foram recapturados por novos delitos. Também em dezembro,
um criminoso que usufruía do saidão confessou às autoridades que matou a
cozinheira Renata Teles em um hotel em Campinas (SP). Para acabar com as saídas
temporárias, a Câmara dos Deputados aprovou, em agosto de 2022, o Projeto de
Lei (PL) 2.253/2022, que tramita na Comissão de Segurança Pública (CSP) do
Senado.
Apesar
do número de deputados favoráveis ao projeto ser três vezes maior que os
contrários, o fim do benefício está longe do consenso. É o que informou o
Conselho Nacional dos Secretários de Estado da Justiça, Cidadania, Direitos
Humanos e Administração Penitenciária (Consej) ao presidente da CSP, senador
Sérgio Petecão (PSD-AC). Em visita ao parlamentar no dia 13 de dezembro, o
presidente do Consej, Marcus Castelo Branco Rito,pediu mais tempo para que o
conselho elabore uma nota técnica sobre o projeto com maior aceitação de seus
membros.
O
representante do Conselho de Polícia Criminal e Penitenciária do Ministério da
Justiça e Segurança Pública, Alexander Barroso, também participou da reunião e
defendeu incluir mais órgãos públicos nos debates.
“Colocar todos à mesa, todos os órgãos de execução penal, o Ministério Público,
o Poder Judiciário, a Defensoria Pública… O Senado Federal pode ser
protagonista nesse assunto”, afirmou Alexander.
Com
apenas uma audiência pública realizada na CSP em setembro de 2023, Petecão já
sinalizou que atenderá o pedido do Consej.
“Me
apresentaram relatórios técnicos sobre os impactos do projeto de lei. Como
presidente da CSP, estou atento às políticas públicas de segurança. Coloquei-me
à disposição das instituições para discutirmos melhor o projeto, dada à sua
complexidade, e, posteriormente, construir um consenso sobre a matéria”, disse
o senador à Agência Senado.
Divergências
Favorável
ao projeto, o relatório do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) à CSP afirma que a
superlotação e a precariedade das instalações do sistema carcerário prejudicam
a ressocialização adequada dos presos e, por isso, traz mais perigo no retorno
dos presidiários às ruas.
“Ao
se permitir que presos ainda não reintegrados ao convívio social se beneficiem
da saída temporária, o poder público coloca toda a população em risco”, diz o
senador. Mas, para o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), a saída temporária como
meio de reinserção social é importante para os outros presos, para não
reincidirem em novos crimes.
“O
projeto elimina um mecanismo que contribui para a paulatina reinserção social
do apenado e confere o mesmo tratamento ao condenado primário, e de bom
comportamento, e ao reincidente, que comete faltas graves”, diz em sua proposta
de emenda substitutiva, rejeitada no relatório de Flávio Bolsonaro.
As
discordâncias não param apenas na eficácia das saídas temporárias como meio de
ressocialização, mas também residem no impacto na segurança pública durante as
datas comemorativas. Na audiência pública na CSP, o secretário de Segurança
Pública do Paraná, Hudson Teixeira, divulgou números registrados pelo órgão
paranaense para defender o fim do direito. Segundo ele, a média de presos que
não retornaram dos “saidões” entre 2022 e 2023 é de aproximadamente 10,5%.
“O
período de final de ano, em que há maior liberação, tem em torno de 32% das
pessoas que não retornaram e que se envolveram em ocorrências criminais. E aí
são os crimes que eles cometem: tráfico de drogas, porte de arma, homicídio,
situação de violência doméstica. Então, são vários crimes, que foram
identificados, em que a pessoa foi identificada e foi levada à
responsabilidade”, disse, destacando ainda que pode haver crimes que não foram
identificados pela polícia.
Mas,
para o diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, as
informações são insuficientes para concluir que a liberação dos presidiários
aumenta a insegurança.
“A
pessoa está apta a ir trabalhar e voltar para dormir no presídio [modelo
permitido no regime semiaberto]. Por que a saída temporária vai aumentar o
risco em relação àquele da ida ao trabalho? Não aumenta! Não há dados que digam
que aumenta, até porque é contraintuitivo mesmo “, ponderou Gabriel Sampaio no
debate na CSP.
No
sistema federativo brasileiro, as polícias civis e militares são administradas
por cada estado. A descentralização dificulta a geração e o processamento de
dados estatísticos que poderiam embasar decisões políticas como essa. Nesse
sentido, tramita no Senado o PL 5.179/2020, do senador Fabiano Contarato
(PT-ES), que obriga os estados a publicarem, anualmente, dados estatísticos
sobre as investigações de homicídios dolosos.
Tema recorrente
Se
o PL 2.253/2022 for aprovado, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984) será
alterada para aumentar as hipóteses do uso da tornozeleira eletrônica, prever
casos de exame criminológico (feito por psicólogos e outros profissionais,
atualmente facultativo) e extinguir a saída temporária. Com as regras atuais, o
condenado entre quatro e oito anos de prisão tem o direito de pleitear cinco
saídas por ano, de até sete dias cada, para visitar familiares, realizar cursos
ou outras atividades sociais. Mas para isso, o detento precisa comprovar
“comportamento adequado”, ter autorização do juiz e cumprir outros requisitos.
O período ocorre sem obrigação de vigilância.
A
proposta de extinguir as saídas temporárias se originou com o Projeto de Lei do
Senado (PLS) 7/2012, da então senadora Ana Amélia (RS), que previa apenas a
redução do benefício para uma vez por ano ao preso com uma única condenação. Na
Câmara dos Deputados, foi modificado no relatório do deputado Capitão Derrite
(PL-SP) e tramitou junto com outros 46 projetos com o mesmo assunto,
apresentados desde 2013, para concentrar as discussões.
No
Senado, outras propostas sobre a saída temporária também estão sob análise dos
parlamentares. O PLS 31/2018, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), desarquivado em
2023, também espera revogar os saidões. Já o PL 476/2023 da senadora Damares
Alves (Republicanos-DF), busca agravar a pena quando o crime é cometido durante
saída temporária ou outros casos fora da prisão. Na semana de Natal, ela pediu
em suas redes sociais o apoio de seus seguidores a seu projeto. Para Damares,
“existe uma considerável parcela que não retorna” aos presídios.
Como funciona
Para
usufruir do “saidão”, o preso não pode ter cometido crime hediondo com morte
nem infração disciplinar no presídio, comprovada, por exemplo, por meio de
certidão expedida pelo diretor do presídio, como ocorre no Distrito Federal.
Ainda precisa ter cumprido no mínimo 16,6% da pena, se for sua primeira
condenação, ou 25% da condenação, se reincidente. É o mesmo requisito para
autorização de trabalho externo durante o dia. Mas o desemprego não é
impedimento para que o detento usufrua da saída temporária. A autorização para
sair é feita pelo juiz de execução penal, ouvidos o Ministério Público e a
administração penitenciária.
Nos
casos de crimes sexuais ou de penas altas, como ocorre em homicídios, há
necessidade de outras análises. O juiz pode solicitar, por exemplo, exame
criminológico. Assim, os presos têm que cumprir o que o psicólogo ou psiquiatra
recomendarem no laudo, como participação em cursos ou tratamentos médicos.
Cada Vara de Execução Penal edita portaria no início do ano com as regras e
datas dos “saidões”.
Normalmente,
são escolhidas datas de comemorações familiares, pois o objetivo é o
estreitamento dos laços com a família e a volta ao convívio social. Mas datas
como carnaval e Ano Novo, são evitadas por algumas varas, em razão da agitação
social do período. Todos os beneficiados precisam informar o endereço de
residência ou de familiar, onde deverão permanecer durante a noite. Eles são
proibidos de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos do gênero.
Apesar de a lei não prever a vigilância durante o período de liberdade, o juiz pode
exigir que determinados detentos utilizem a monitoração eletrônica, além de
outras formas de fiscalização.