Trabalhar quatro dias da semana e, consequentemente, conseguir ter mais
tempo para o descanso, para o lazer, ou até mesmo para buscar mais conhecimento
está entre os desejos de grande parte dos trabalhadores brasileiros. Aliar essa
demanda ao cenário dinâmico e desafiador do mundo profissional, sem redução
salarial, deve ser uma das discussões a ser retomada pelo Senado em 2024.
O assunto tem sido tendência no mundo todo, com alguns países já
colocando em prática legislações ou projetos pilotos que incentivem as empresas
a adotarem modelos de jornadas reduzidas, promovendo bem-estar, produtividade e
qualidade de vida aos seus funcionários.
Apesar de o Congresso Nacional já discutir projetos de redução da carga
horária trabalhada desde 1995, quando o senador Paulo Paim (PT-RS) e o então
deputado federal e posteriormente senador, Inácio Arruda, apresentaram sua
primeira proposta sobre o tema (PEC 231/1995), somente em 2023 o assunto passou
a ser visto como uma aprovação possível no Legislativo.
Já em dezembro do ano passado, antes do encerramento das atividades
legislativas, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) aprovou o projeto que inclui
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT — Decreto-Lei 5.452, de 1943) a
possibilidade de redução da hora trabalhada diária ou semanal, sem redução da
remuneração, desde que feita mediante acordo ou convenção coletiva (PL
1.105/2023).
Atualmente a CLT prevê o regime de tempo parcial de 30 horas semanais,
já a Constituição estabelece como jornada máxima as 44 horas semanais. Diante
dessa diferença de 14 horas entre o definido pela CLT e o máximo permitido pela
Constituição, o texto possibilita essa negociação da redução da jornada até 30
horas, desde que seja acordado entre empregador, sindicato e empregado e sem
redução salarial.
Apresentada pelo senador Weverton (PDT-MA), a matéria, que recebeu
parecer favorável do senador Paulo Paim, não contempla contratações por tempo
parcial, visto que o limite já é de 30 horas semanais. Como foi analisada em
decisão terminativa, a proposta seguirá para a Câmara dos Deputados, exceto se
no mínimo nove senadores apresentarem recurso para análise no Plenário do
Senado.
PEC
Em outra frente, Paim também apresentou um texto para fazer alterações
constitucionais. A proposta de emenda à Constituição (PEC 148/2015)
estabelece que a duração de trabalho normal não será superior a 8 horas diárias
e a 36 horas semanais. A matéria está na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ), onde aguarda designação de relator.
De acordo com a iniciativa, a jornada de trabalho não poderá ser
superior a 40 horas semanais, diminuindo gradativa e anualmente em uma hora por
ano até o limite de 36 horas. Até a implantação da emenda, caso seja
promulgada, a jornada de trabalho normal não poderá ser superior a 44 horas
semanais. Ele explicou como seria essa aplicação em pronunciamento no Plenário,
em junho de 2023.
Apesar de o tema ainda estar distante de um consenso no Brasil, Paim
acredita que é possível avançar em busca de um entendimento entre os atores envolvidos
e, para isso, ele considera fundamental a participação do Legislativo e do
Executivo federal nas discussões.
Outros países
No Reino Unido, um estudo realizado entre junho e dezembro de 2022 pela
parceria entre a The 4-Day Week Global, juntamente com o instituto de pesquisa
Autonomy e pesquisadores das universidades de Cambridge e Oxford, buscou
reduzir a jornada de trabalho para uma semana de quatro dias trabalhados para
funcionários de 61 empresas de diversos setores que concordaram em participar do
teste.
No fim do estudo, após a experiência de oferecer um dia a mais de folga
na semana, foi revelado que 92% das empresas participantes decidiram manter a
jornada de trabalho reduzida. Além de fazer sucesso entre patrões e
funcionários, o teste mostrou que a redução da jornada de trabalho não diminuiu
a produtividade e que o número de saídas de funcionários caiu 57% durante o
período experimental.
Além de Brasil e Reino Unido, países como Espanha, França, Portugal e
Japão já debatem o tema.
América Latina
No ano passado, o Congresso do Chile aprovou uma lei que reduz a semana
de trabalho de 45 para 40 horas. Um ano após a sua aplicação, a jornada de
trabalho será reduzida das atuais 45 horas para 44 horas. Após três anos o
limite será de 42 horas e após cinco anos chegará a 40 horas. Já, no Brasil, a
The 4-Day Week Global e a brasileira Reconnect Happiness at Work estão em
tratativas para testar um projeto piloto com um modelo de trabalho semanal de
quatro dias com empresas interessadas.
Segundo a página da Reconnect Happiness at Work, o modelo a ser adotado
no teste é o de 100-80-100, ou seja, 100% de pagamento do salário, trabalhando
80% do tempo e mantendo 100% da produtividade. O foco principal do projeto, de
acordo com eles, é promover o aumento da produtividade, ajustando o cenário de
transição para para uma semana de trabalho de 32 horas.
Saúde e qualidade de vida
Muitas das discussões que já vêem ocorrendo no âmbito do Senado, entre a
sociedade civil e dentro das empresas buscam responder a uma pergunta
específica: a redução da jornada de trabalho virá como resposta para conciliar
o crescimento econômico com a preservação da saúde mental e física dos
trabalhadores?
Um relatório publicado em 2021 pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela
que as longas jornadas de trabalho levaram a 745 mil mortes por
acidente vascular cerebral e doença isquêmica do coração em 2016. Isso
representa um acréscimo de 29% desses casos desde 2000, segundo
as instituições.
Diante dos números, as duas agências têm recomendado que governos,
empregadores e trabalhadores comecem a pensar e implementar medidas que possam
proteger a saúde e bem estar da classe trabalhadora.
Tribuna do Norte