O subfinanciamento de procedimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) tem representado um gargalo importante para os municípios potiguares, de acordo com o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN (Cosems-RN) e de gestores ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE durante congresso que reúne em Natal, desde a quarta-feira (1º), secretários de Saúde e prefeitos de diversas cidades do RN. O objetivo do evento é debater a ressignificação do SUS no Estado ao longo de 35 anos de atuação do Conselho. Segundo as fontes, a falta de repasses ou a insuficiência destes por parte do Estado e do Governo Federal, eleva os custos para os municípios para até 40% ao ano.
De acordo com a Constituição Federal, os municípios devem investir, no mínimo, 15% dos recursos arrecadados em ações e serviços públicos de saúde. O mesmo índice é estabelecido para o Governo Federal, enquanto cabe aos estados o investimento de 12%, no mínimo, de receita própria em ações na rede do Sistema Único de Saúde. A presidente do Cosems-RN, Maria Elisa Garcia, disse, no entanto, que o cenário atual é bem diferente. “Anos atrás o Ministério da Saúde investia em torno de 60% a 70% em ações no SUS. Hoje, esse percentual está em torno de 30% a 40%, o que gera uma carga para os municípios”, detalha.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Hisham Hamida, explicou que a situação representa um desequilíbrio, onde a sobrecarga fica toda para as prefeituras. “Para se ter uma ideia, em 2023, os municípios brasileiros colocaram, como um todo, R$ 51 bilhões acima do mínimo constitucional”, detalhou. Em Natal, a contrapartida fica em torno de 40% ao ano, segundo a secretária-adjunta de Saúde, Rayanne Araújo. “Algumas instâncias são tripartites, como a Farmácia Básica, UPA e SAMU. Nesses casos, falta a contrapartida estadual”, afirma Araújo.
A secretária de Saúde de Mossoró, Morgana Dantas, aponta que os valores ofertados pelo SUS aos prestadores de serviços é pouco atrativo. Para não prejudicar a assistência, ela conta que o Município costuma inserir um complemento, o que eleva os investimentos próprios na rede. “A gente tem dificuldade de credenciamento para realização de cirurgias de média complexidade, porque os prestadores não têm interesse em operar pelo preço do SUS. E aí, é preciso pagar complementos. Mossoró investiu 33% de receita própria em 2023 na rede e, neste ano, esse índice já superou os 30%”, afirma.
A TRIBUNA DO NORTE procurou a Secretaria de Saúde Pública do RN (Sesap) e o Ministério da Saúde para comentar as declarações. A Sesap disse em nota que a questão do subfinanciamento do SUS é uma pauta de reivindicação também apontada pela Secretaria de Estado da Saúde Pública. “Tanto, que durante o ano de 2023, a partir de gestões junto ao Ministério da Saúde, a própria Sesap conquistou uma série de avanços em termos de financiamento para a rede estadual e para os municípios, no campo da média e alta complexidade”.
Segundo a Secretaria, para a média e alta complexidade foram recebidos quase R$ 200 milhões, enquanto que na atenção básica, por meio do programa +APS Potiguar, o RN alcançou um aumento de aproximadamente R$ 90 milhões para equipes de saúde da família, saúde bucal, agentes de saúde e outros. “A respeito de Natal, a Sesap esclarece que a situação é tratada em foro de processo judicial, no qual a Secretaria [Sesap] cumpre as determinações ali emitidas”, informou. O Ministério da Saúde não respondeu aos contatos feitos pela reportagem.
Fila para cirurgias eletivas ainda é gargalo no Estado
Outro problema comentado pelos gestores municipais é em relação à fila para cirurgias eletivas no Estado. “Os principais gargalos nesse ponto são as cirurgias de próstata, vascular e de tireoide. Tem pessoas há quatros, cinco anos na fila, porque o Estado não consegue modernizar a própria estrutura assistencial”, disse Maria Elisa, do Cosems.
Em Mossoró, para buscar reduzir a longa espera, o Município deu início ao credenciamento de dois hospitais para a realização dos procedimentos. “Temos uma média de 300 pacientes na fila de cirurgia geral e mais ou menos 400 pessoas para cirurgia ginecológica. Então, além da regulação do Estado, estamos publicando agora o credenciamento de dois hospitais diferentes que vão ajudar a reduzir as filas”, disse Morgana Dantas, secretária de Saúde da cidade.
Sobre o assunto, a Sesap afirmou que O Rio Grande do Norte, em 2023, bateu o recorde histórico de cirurgias eletivas realizadas sob gestão estadual, com mais de 14 mil procedimentos em mais de 40 estabelecimentos de saúde privados, estaduais ou municipais. “Dentro deste escopo, a respeito das cirurgias sob sua guarda dentro do programa nacional de redução de filas, a Sesap superou a meta inicial estipulada para o primeiro ciclo. Apenas em 2023, o investimento superou os R$ 75 milhões”, sublinhou a pasta.
“Desde 2019, a Sesap vem qualificando e ampliando os serviços de cirurgias eletivas. A partir da implantação do sistema Regula Cirurgias, pela primeira vez no RN pode se ter acesso pleno, controle e transparência no que tange a cirurgias eletivas, dando total informação às secretarias de Estado e municipais de saúde e também aos pacientes. Some-se a isso, a concentração das listas cirúrgicas em um só espaço, o que proporciona mais agilidade e eficiência no trato dos pacientes e dos recursos aplicados, e também a incorporação de novos procedimentos, como as cirurgias eletivas cardíacas e ortopédicas”, disse a Sesap, sem dar detalhes sobre a quantidade de pessoas à espera de um procedimento.
Esses e outros desafios do SUS são destaques no XVI Congresso de Prefeituras e Secretarias Municipais de Saúde do RN, que acontece até esta sexta-feira (3) em Natal. O evento conta com mais de 900 participantes, os quais debatem reflexões, trocam experiências e encaminhamentos que buscam o diálogo, a resolutividade e a comunicação entre os 167 municípios potiguares no âmbito do SUS. “É um evento de extrema importância, em um momento onde secretários podem ofertar conhecimento e trazer experiências, inclusive, de outros estados”, disse Hisham Hamida, presidente do Conasems.