Violência física contra cães e gatos,
abandono de animais, negação de atendimento veterinário e atropelamento são
comuns no noticiário e revelam a face de um problema muito amplo: o número de
maus-tratos contra animais é crescente. No Rio Grande do Norte, dados da
Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social apontam um aumento
de 95,8% entre 2021 e 2023 nesse índice.
Em 2024, até 17 de julho, havia o registro de 233 casos de maus-tratos de
animais, divididos entre situações com morte (51); experiências cruéis, ainda
que com fins didáticos ou científicos (1); contra diversas espécies animais
(125); e contra cães e gatos (56). Os números são do sistema de Procedimentos
Policiais Eletrônicos (PPE) da Polícia Civil do RN.
Contudo, ainda há subnotificação de ocorrências de maus-tratos, e as denúncias
nem sempre são feitas, indicam especialistas. A sociedade dispõe de diversos
métodos para denunciar esses crimes, inclusive de forma anônima. Uma vez
resgatados de situações de maus-tratos, os animais dependem de organizações não
governamentais (ONGs) para ter abrigo, alimentação e passar por adoção
responsável, pois o Estado ainda não dispõe dessa estrutura, conforme afirma a
delegada Danielle Filgueira.
Além disso, segundo a advogada Juliana Rocha, presidente nacional da Comissão
de Proteção e Defesa Animal do Conselho Federal da OAB, existe uma crença no
senso comum de que os crimes contra animais ficam impunes. Essa opinião
dificulta o atendimento dos casos e a punição dos maus-tratos porque “a autoridade
policial só vai agir quando tiver conhecimento [de um suposto crime]”, diz ela.
No caso desses crimes, conforme ela, “existe uma necessidade de melhor
estruturação dos agentes de segurança para que eles possam atuar”. Juliana
pontua que a capital potiguar só tem uma delegacia especializada em direito
animal, a qual divide as atribuições com a área de turismo, a Demaatur
(Delegacia Especializada de Defesa ao Meio Ambiente e Assistência ao Turista).
Quanto à legislação aplicável nessa temática, Juliana destaca a Constituição
Federal, que, em seu artigo 225, defende que o Estado e a sociedade devem
combater a crueldade contra animais, e a Lei de Crimes Ambientais (Lei
9.605/1998), atualizada com a Lei nº 14.064/2020. Essa atualização aumentou as
penas, que são de 2 a 5 anos, para os maus-tratos contra cães e gatos.
Apesar desse avanço, a pena para quem maltrata outros animais não tem a mesma
gravidade. “Para animais que não sejam cães e gatos, como aves e cavalos, essa
pena é de detenção de três meses a um ano, ou seja, uma pena menor, e isso
impacta muito nos resultados. Porque, quando eu tenho aquela pena maior [5
anos], se a pessoa for presa, não cabe fiança, não cabe transação penal”,
explica Juliana. A penalidade cresce de um sexto a um terço em caso de morte da
vítima.
O cenário tem apresentado melhorias com o debate proposto pela causa animal,
avalia Juliana. Para ela, deve haver uma mudança cultural: “A gente precisa
evoluir enquanto sociedade, fazer uma discussão cultural, entender que esses animais
fazem parte da sociedade, possuem direitos e merecem ser protegidos de todas as
searas”.
Nesse sentido, duas se destacam no RN e em Natal. No Estado, a Lei nº
11.056/2021 determina que todas as escolas da rede pública de ensino estadual
devem ter debates, palestras e seminários sobre direito animal. Já o prefeito
Álvaro Dias sancionou, nesta semana, a Lei nº 7.733/2024, que “proíbe o
exercício de cargo, emprego ou função na Administração Pública da Cidade de
Natal por pessoa condenada pelo crime de maus-tratos contra animais”.
Números de maus-tratos no RN
·
2021 – 194
·
2022 – 314
·
2023 – 380
·
2024 – 233 (até 17 de julho)
Como denunciar
As pessoas ouvidas pela reportagem
destacam a relevância de a sociedade denunciar os maus-tratos para que eles não
ocorram mais. A Demaatur reforça que as testemunhas gravem e registrem
fotografias das agressões. O envio pode ser anônimo, e não é preciso comparecer
à delegacia para denunciar. A seguir, estão os contatos e os meios para
notificar casos de maus-tratos e crueldade animal.
O Disque Denúncia da Polícia Civil: 181. Em Natal, a Secretaria de Meio
Ambiente e Urbanismo (Semurb) recebe denúncias, que podem ser anônimas, por
meio de sua Ouvidoria. As notificações podem ser feitas de segunda a sexta, das
8h às 14h, pelo telefone (84) 3616-9829 ou pelo
e-mail: ouvidoria.semurb@natal.rn.gov.br. À noite, nos fins de semana e
feriados, ligar para 190 (Ciosp) ou 181 (Polícia Civil).
Cenário é desafiador para a polícia
A delegada da Demaatur, Danielle
Filgueira, avalia que a legislação precisa evoluir “um pouquinho”. “A gente tem
os casos de atropelamento a animais em que a pessoa foge da cena. Isso ainda
não é crime”, exemplifica. Não é crime se for comprovada a falta de intenção.
“Existem projetos de lei para isso. Mas ainda não é crime. Diferente de você
propositadamente atropelar um animal, como teve um caso recente em João
Câmara”, completa.
Ela reforça a importância da lei contra maus-tratos de cães e gatos. “É até
severa, porque a pena máxima é de cinco anos. Então, isso faz que a gente não
consiga arbitrar fiança. Quem abandona ou maltrata animais, se for pego em
flagrante, fica preso”.
Danielle pede que a sociedade denuncie e que registre os casos. “Quando denunciar,
o que a gente sempre orienta às pessoas é filmar. Porque, às vezes, quando a
denúncia chega pra gente, já se passaram dois, três dias, e a gente não
consegue mais prender aquela pessoa em flagrante, por conta do tempo. Mas, se a
pessoa que visualizou, gravou um vídeo da agressão, isso daí é prova para o
nosso inquérito”, frisa. No caso do abandono de animais em que a pessoa usa
transporte, se o cidadão vir a cena, a Demaatur orienta que tire foto da placa
e encaminhe por meio do 181.
O entendimento do que configura crime de maus-tratos é amplo: “Não é só você
bater. Se você ferir o cão ou gato, se deixar um animal sem acesso à água, à
comida, isso também configura maus-tratos”, explica Danielle.
Além disso, a delegada diz que as ONGs de defesa animal exercem um papel
essencial, trabalhando em parceria com a Polícia Civil. “O maior problema,
hoje, da polícia é que a gente não tem lugar para colocar esses animais
[resgatados]. No cenário ideal, o Estado teria que oferecer um lugar para que,
quando a polícia resgatasse esses animais, que os animais fossem para lá. Era
para a gente ter um hospital público veterinário [para encaminhar as vítimas].
Mas a gente fica sempre dependendo desse apoio das ONGs”, compartilha.
ONGs pedem mais apoio para a causa
Uma das organizações é a ONG Patamada,
que atua em Natal há 20 anos e foi a primeira legalizada, segundo contam seus
administradores, Drica Lima e Henrique Knopik. A iniciativa foi da mãe de
Henrique, a enfermeira Elenice, que morreu em 2017, deixando o legado de uma
ONG que atua desde o resgate de animais vítimas de crueldade e maus-tratos até
o destino de uma adoção responsável.
Henrique explica que o foco da Patamada (no Instagram, @patamadaong) são os
animais de rua, “que estejam debilitados, precisando de cuidado. A gente
resgata eles, trata, castra, vacina e põe para adoção”. A sobrevivência da ONG
existe por meio da renda do próprio casal – os dois são auxiliares veterinários
– e de doações. Não há ajuda do poder público, mas muitos políticos, conta Drica,
aproveitam-se da causa animal.
Eles precisam de ração e produtos de limpeza, além de tratamentos quando os
animais estão feridos. Um dos maiores desafios, além de financeiro, é a parte
da adoção, pois há casos de pessoas que pedem o animal, passam pelo processo de
adoção responsável e mesmo assim devolvem ao abrigo ou abandonam. Abandono é um
tipo de maus-tratos muito recorrente, observa Knopik.
“A adoção é bem sofrida, porque para a gente conseguir adoção de qualidade para
um vira-latinha é ralado”, afirma Drica. O trabalho é delicado, sensível e
psicologicamente pesado, pois eles lidam com diversas situações cruéis e
violentas. Drica diz que há os maus-tratos ocultos, mas outros, como os animais
que sofrem carregando carroças, “são expostos bem na cara da gente”. A prática
é proibida em Natal desde 2017.
Contudo, a internet pode ter contribuído com o aumento das denúncias. “Graças à
divulgação das redes sociais, estão sendo muito mais claros os maus-tratos que
os animais vêm sofrendo, pelo menos em comparação com o que a gente presenciava
antes”, comemora.
“A gente pede o apoio à sociedade, que denuncie os maus-tratos. Porque nós
sozinhos somos uma gotinha no oceano, mas a gente procura fazer a diferença”,
conclui Drica. “A gente espera que, de degrau em degrau, realmente chegue num
patamar que os animais sejam [cuidados] de forma igualitária. Eles sentem dor,
medo e precisam, sim, de cuidados”.
Cenário é desafiador para a polícia
A delegada da Demaatur, Danielle
Filgueira, avalia que a legislação precisa evoluir “um pouquinho”. “A gente tem
os casos de atropelamento a animais em que a pessoa foge da cena. Isso ainda
não é crime”, exemplifica. Não é crime se for comprovada a falta de intenção.
“Existem projetos de lei para isso. Mas ainda não é crime. Diferente de você
propositadamente atropelar um animal, como teve um caso recente em João
Câmara”, completa.
Ela reforça a importância da lei contra maus-tratos de cães e gatos. “É até
severa, porque a pena máxima é de cinco anos. Então, isso faz que a gente não
consiga arbitrar fiança. Quem abandona ou maltrata animais, se for pego em
flagrante, fica preso”.
Danielle pede que a sociedade denuncie e que registre os casos. “Quando
denunciar, o que a gente sempre orienta às pessoas é filmar. Porque, às vezes,
quando a denúncia chega pra gente, já se passaram dois, três dias, e a gente
não consegue mais prender aquela pessoa em flagrante, por conta do tempo. Mas,
se a pessoa que visualizou, gravou um vídeo da agressão, isso daí é prova para
o nosso inquérito”, frisa. No caso do abandono de animais em que a pessoa usa
transporte, se o cidadão vir a cena, a Demaatur orienta que tire foto da placa
e encaminhe por meio do 181.
O entendimento do que configura crime de maus-tratos é amplo: “Não é só você
bater. Se você ferir o cão ou gato, se deixar um animal sem acesso à água, à
comida, isso também configura maus-tratos”, explica Danielle.
Além disso, a delegada diz que as ONGs de defesa animal exercem um papel
essencial, trabalhando em parceria com a Polícia Civil. “O maior problema,
hoje, da polícia é que a gente não tem lugar para colocar esses animais
[resgatados]. No cenário ideal, o Estado teria que oferecer um lugar para que,
quando a polícia resgatasse esses animais, que os animais fossem para lá. Era
para a gente ter um hospital público veterinário [para encaminhar as vítimas].
Mas a gente fica sempre dependendo desse apoio das ONGs”, compartilha.
ONGs pedem mais apoio para a causa
Uma das organizações é a ONG Patamada,
que atua em Natal há 20 anos e foi a primeira legalizada, segundo contam seus
administradores, Drica Lima e Henrique Knopik. A iniciativa foi da mãe de
Henrique, a enfermeira Elenice, que morreu em 2017, deixando o legado de uma
ONG que atua desde o resgate de animais vítimas de crueldade e maus-tratos até
o destino de uma adoção responsável.
Henrique explica que o foco da Patamada (no Instagram, @patamadaong) são os
animais de rua, “que estejam debilitados, precisando de cuidado. A gente
resgata eles, trata, castra, vacina e põe para adoção”. A sobrevivência da ONG
existe por meio da renda do próprio casal – os dois são auxiliares veterinários
– e de doações. Não há ajuda do poder público, mas muitos políticos, conta
Drica, aproveitam-se da causa animal.
Eles precisam de ração e produtos de limpeza, além de tratamentos quando os
animais estão feridos. Um dos maiores desafios, além de financeiro, é a parte
da adoção, pois há casos de pessoas que pedem o animal, passam pelo processo de
adoção responsável e mesmo assim devolvem ao abrigo ou abandonam. Abandono é um
tipo de maus-tratos muito recorrente, observa Knopik.
“A adoção é bem sofrida, porque para a gente conseguir adoção de qualidade para
um vira-latinha é ralado”, afirma Drica. O trabalho é delicado, sensível e
psicologicamente pesado, pois eles lidam com diversas situações cruéis e
violentas. Drica diz que há os maus-tratos ocultos, mas outros, como os animais
que sofrem carregando carroças, “são expostos bem na cara da gente”. A prática
é proibida em Natal desde 2017.
Contudo, a internet pode ter contribuído com o aumento das denúncias. “Graças à
divulgação das redes sociais, estão sendo muito mais claros os maus-tratos que
os animais vêm sofrendo, pelo menos em comparação com o que a gente presenciava
antes”, comemora.
“A gente pede o apoio à sociedade, que denuncie os maus-tratos. Porque nós
sozinhos somos uma gotinha no oceano, mas a gente procura fazer a diferença”,
conclui Drica. “A gente espera que, de degrau em degrau, realmente chegue num
patamar que os animais sejam [cuidados] de forma igualitária. Eles sentem dor,
medo e precisam, sim, de cuidados”.