Por
maioria, o TCU (Tribunal de Contas da União) entendeu que o relógio de luxo
recebido pelo presidente Lula (PT) em 2005 na França além de presentes
recebidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros mandatários não
precisam ser devolvidos enquanto não houver lei específica sobre isso.
TCU
julgou nesta quarta-feira pedido para que petista devolvesse presente. A ação
foi apresentada pelo deputado federal Sanderson (PL-RS) e pedia que Lula fosse
obrigado a devolver o relógio de ouro avaliado em R$ 60 mil que ganhou de
presente da marca francesa Cartier em 2005. Para o parlamentar, bem deveria ser
encaminhado ao acervo público da Presidência da República.
Relator
do caso, ministro Antônio Anastasia entendeu que presidente não precisa
devolver presente. Ele seguiu o entendimento da área técnica do tribunal de
que, quando Lula recebeu o relógio, ainda não estava em vigor a decisão do TCU
que trouxe regras mais claras sobre o assunto. A procuradora-geral do MP junto
ao TCU, Cristina Machado de Costa e Silva, endossou o entendimento. Na prática
Anastasia defendeu que a resolução de 2016 que estabelece algumas regras sobre
presentes é valida, mas que não poderia ser aplicada em 2005.
Coube
ao ministro revisor, Walton Alencar, abrir a divergência e defender que Lula
deveria, sim, devolver o relógio. Ele considerou que, além do Cartier, também
deveria ser devolvido por Lula um relógio Piaget recebido de presente por ele
também em 2005. Na avaliação dele, seria necessário queas situações semelhantes
envolvendo outros ex-presidentes fossem "corrigidas", isto é, todos
os presentes de alto valor recebidos por ex-presidentes durante seus mandatos
deveriam ser devolvidos.
Na
avaliação do ministro revisor, situação levaria a "duplicidade de visão do
Estado". Como antecipou o UOL, o ministro argumentou que a eventual
liberação do presente para Lula geraria uma situação desigual em relação a
Bolsonaro, que é acusado pela PF de desviar dinheiro de bens que deveriam ser
considerados públicos.
Ministro
Jorge Oliveira, por sua vez, apresentou uma terceira proposta. No entendimento
dele, como não existe uma lei específica sobre presentes recebidos por
presidentes da República, não caberia ao TCU editar uma norma a respeito e,
portanto, decidir sobre eventual devolução ou não de presentes. A resolução do
TCU sobre o tema de 2016 leva em consideração uma legislação sobre o acervo
presidencial e não especificamente sobre recebimento de presentes.
A
maioria dos ministros acabou seguindo a proposta de Jorge Oliveira.
Acompanharam-no os ministros Jhonatan de Jesus, Vital do Rêgo, Aroldo Cedraz e
Augusto Nardes. O ministro Marcos Bemquerer seguiu a proposta do ministro
Anastasia, que diferente de Jorge Oliveira entende que a decisão de 2016 do
tribunal é válida, mas não pode retroagir. Ao todo o TCU tem nove ministros,
sendo que o presidente só vota em caso de empate.
"Haveria
clara duplicidade de visão do estado em relação ao tema para um presidente e
crime de peculato, para outro presidente, direito reconhecido pelo plenário do
TCU", Ministro Walton Alencar, do TCU, ao votar pela devolução dos bens de
Lula.
"[Este
processo] Muito dirá sobre o processo civilizatório do país como um todo, não
somos uma ditadura cujo ditador confunde seu patrimônio com o do próprio
pais", Ministro Walton Alencar, do TCU, ao votar pela devolução dos bens.
Defesa
de Bolsonaro
Julgamento é central para a defesa de Bolsonaro. Ex-presidente foi indiciado
pela Polícia Federal por desvio de dinheiro devido aos episódios de venda no
exterior de joias e presentes recebidos por ele enquanto era presidente. Na
sexta-feira (2), a defesa de Bolsonaro pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal)
o arquivamento do caso alegando que não cometeu nenhuma ilegalidade e que
caberia ao TCU analisar primeiro o pedido de devolução do relógio de Lula,
antes de as investigações avançarem.
Para
os investigadores, vendas e tentativas de vendas realizadas pelos auxiliares de
Bolsonaro configuram crime. Isso segue entendimento do TCU estabelecido em 2016
de que os bens vendidos pertenceriam ao patrimônio público. A defesa do
ex-presidente, porém, entende que a situação dele é a mesma de Lula, que não
devolveu o presente recebido em 2005.
Relógio
de Lula foi uma homenagem a Santos Dumont. O modelo foi um presente da
fabricante Cartier durante uma visita do presidente a Paris. Ele é feito de
ouro branco 16 quilates e prata 750.
Área
técnica foi contra devolução. Em maio, os técnicos do TCU divulgaram parecer
defendendo que Lula fique com o relógio porque não existia, em 2005, a regra
que hoje obriga o presidente da República a esperar o fim do mandato para ficar
com os chamados itens personalíssimos —ou seja, presentes de uso pessoal de
baixo valor. Essa regra só entrou em vigor em 2016, quando TCU estabeleceu
critérios claros para orientar a Presidência da República.
Com
informações de UOL