Uma nova tendência nas redes sociais tem gerado grande apreensão entre especialistas em educação e saúde mental. A prática, que incentiva furtos como uma forma de ganhar destaque entre as publicações, vem sendo seguida por um número crescente de crianças e adolescentes. Em Natal, o caso foi alertado por Victor Oliveira, empresário com três lojas de artigos estudantis, que publicou um vídeo informando a incidência de furtos diários em todas as unidades cometidos por menores de idade com fardas escolares. Essa situação desperta um cuidado de pais e profissionais, diante de um cenário complexo da influência digital.
Para Amanda Oliveira, psicóloga e especialista em neuropsicopedagogia, a adolescência é um período caracterizado por intensas transformações no desenvolvimento físico, social e psicológico, com especial destaque para a fase de construção da identidade. É a partir desse momento que as redes sociais podem ser capazes de exercer um papel negativo ao incentivar comportamentos inadequados, como o furto, em busca de aceitação social e status.
“A infância e adolescência são marcadas por mudanças físicas, sociais e psíquicas, que anseiam por cuidados, afetos e diálogos. Os adolescentes estão em desenvolvimento do córtex pré-frontal, área que gerencia a tomada de decisões e o controle de impulsos. A busca pela construção da identidade nessa fase pode ser atravessada por fragilidades emocionais, como baixa autoestima, depressão, ansiedade, estresse e necessidade de validação”, explica.
Diante disso, Amanda ressalta que a impulsividade, característica comum nessa fase, pode ser um fator importante para a adesão a esse comportamento, considerando a busca de pertencimento, aceitação social e as pressões do grupo, dentro de uma imaturidade cognitiva. “A impulsividade é uma ação comportamental que envolve o emocional e pode levar ao sentimento de culpa, vergonha, remorso e arrependimento das atitudes inadequadas. A falta de gerenciamento das emoções, a vulnerabilidade social, ou até mesmo a presença de comorbidades psicológicas ou psiquiátricas contribuem para ações impulsivas”, afirma.
Já nos casos de ações de furtos planejados, fora de uma decisão impulsiva, podem ser caracterizadas por uma necessidade da formação de caráter, sensibilização moral e o agir conscientes. “A autoestima e o autoconceito nessa fase se modificam de acordo com as experiências sociais. A baixa autoestima e o desequilíbrio emocional podem levar ao desejo de se encaixar nas normas sociais, recorrendo ao furto como uma forma de destaque, status e atenção. Esses ganhos podem elevar a autoestima, reforçando comportamentos inadequados”, explica Amanda Oliveira.
Isabelle Pereira, assistente social com ampla experiência no ambiente pedagógico, também compartilha da preocupação e salienta que as redes sociais têm uma influência profunda sobre o comportamento de crianças e adolescentes, sendo muitas vezes um fator decisivo para a adesão a comportamentos de risco. Isso é intensificado ainda mais durante o período de formação da identidade.
“As redes sociais hoje têm uma influência significativa, tanto positiva quanto negativa, no comportamento das crianças e adolescentes. O que tem nos preocupado são pontos como a necessidade de se encaixar em padrões, incluindo padrões de comportamento de risco, como o uso excessivo de telas, palavras de baixo escalão e modismos. A comparação que acontece nessas plataformas traz questões de saúde mentais gravíssimas”, avalia.
Ainda em 2016, uma pesquisa divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil relatou que 87% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos possuem pelo menos um perfil em redes sociais, enquanto 68% acessam a internet mais de uma vez por dia. Isabelle alerta que o uso pontual das redes não é o principal problema, mas sim exposição a conteúdos inapropriados e a falta de supervisão.
“A dependência tecnológica tem trazido prejuízos à sociabilidade e, no uso das telas, a exposição a conteúdo inadequado, como violência, notícias falsas ou discursos de ódio, pode moldar o comportamento do indivíduo. A influência das redes sociais no comportamento das crianças está intimamente ligada ao conteúdo consumido e ao equilíbrio com outras atividades sociais e físicas”, reforça a assistente social.
O papel da família e dos profissionais
A atuação coordenada entre família, escola e profissionais de saúde é vista pelas especialistas como uma medida fundamental para prevenir o envolvimento de jovens em comportamentos prejudiciais, como o furto, impulsionado pelas redes sociais.
“O envolvimento de jovens em furtos pode ser resultado de uma combinação de fatores sociais, psicológicos, econômicos e familiares. A pressão de grupo e a busca por status, especialmente influenciadas pelas trends da internet, têm um impacto direto. Lares desestruturados e falta de supervisão também são fatores importantes”, observa Isabelle.
Ela aproveita para alertar os pais sobre os sinais de envolvimento em furtos, como a aquisição de bens sem explicação, mudança de comportamento, isolamento e até problemas financeiros inexplicáveis. “Os pais devem estar atentos e buscar ajuda profissional quando necessário. O diálogo aberto com os filhos é essencial para tratar o problema de forma consciente e firme”, recomenda.
Diante disso, Amanda Oliveira ressalta a importância de práticas educativas voltadas para o gerenciamento emocional e a construção de uma identidade saudável, iniciando já na família. “O autoconhecimento fortalece a autoimagem, a confiança e a saúde mental. Os pais podem promover o uso saudável das redes sociais ao estabelecer limites no uso das telas, observar os conteúdos acessados e educar sobre privacidade e segurança”, afirma a psicóloga.
Já no ambiente escolar, Isabelle Pereira, que também é empresária no setor pedagógico, considera que existe o desenvolvimento do papel central na formação ética e na promoção do pensamento crítico, especialmente no atual cenário da influência digital. “Com o aumento do uso dessas plataformas, a escola se torna um ambiente crucial para mediar os impactos e promover o desenvolvimento de valores éticos. A escola deve criar espaços de debate e reflexão sobre justiça, igualdade, liberdade de expressão e respeito ao outro”, afirma.
Existe pena criminal?
Dentro da legislação brasileira, no artigo 228 da Constituição Federal, aqueles com idade inferior a 18 anos são definidos como “penalmente inimputáveis”, sujeitos a uma legislação especial. De acordo com Dalyson Souza, advogado criminal e membro da Comissão da Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil no RN (OAB/RN), essa tipificação acontece através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“Os crimes que estão previstos no Código Penal, quando cometidos por adolescentes, a gente não chama de crime, a gente chama de atos infracionais, como prevê o ECA no artigo 103. Nesse caso, são aplicadas medidas socioeducativas, conforme o artigo 112”, afirma. Nesse caso, constam na legislação as possibilidades de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, podendo chegar a liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional.
Segundo Dalyson, as medidas que envolvem internações normalmente são relacionadas aos atos infracionais de caráter mais gravoso. “No caso desses furtos [cometidos por crianças e adolescentes] o melhor a se fazer é advertência e reparar o dano. Se for constatado que essa situação é recorrente, aí sim podem ser tomadas decisões mais severas”, explica.
Apesar disso, a figura do advogado não deixa de ser necessária diante de uma situação em flagrante ou registrada por câmeras de segurança, quando há condução à Delegacia.