O escritor itajaense José Evangelista Lopes anunciou que a história da Cruz da Negra, um dos símbolos mais marcantes e misteriosos de Itajá-RN, será retratada com detalhes emocionantes na edição 3 da coleção Sertão Raízes.
Trata-se de um resgate histórico-cultural que envolve fé, sofrimento, e o esquecimento social de uma mulher negra que, segundo relatos, morreu à beira da estrada por volta de 1943, em condições trágicas. O caso, que por décadas habitou apenas o imaginário popular e os relatos orais, agora será eternizado na literatura potiguar.
UM RELATO PESSOAL, UM RESGATE COLETIVO
Evangelista relembra que, em sua juventude, quando descia de férias do Internato do Colégio Padre Tertuliano, em Santana do Matos, costumava chegar à sua terra natal por uma estrada onde já se via uma grande cruz de madeira fincada no lajedo, no meio do caminho. A cruz, verde-escura, chamava a atenção de quem por ali passava.
Tomado pela curiosidade, o autor começou a investigar o que havia por trás daquele símbolo. Conversou com o pai adotivo, João Varela, com a filha dele, Laura, e com moradores como Rafael, filho de Itamar, que lhe contou que, naquele local, uma mulher negra foi degolada. O corpo, após ser encontrado, foi levado para o cemitério público de Itajá.
A MULHER SEM NOME
Com o tempo, surgiram diferentes versões. Uma dizia que a mulher havia morrido de fome e sede, próximo ao local onde hoje passa a BR-304. Sua identidade nunca foi confirmada. O que se sabe é que, dias após o fato, sua bolsa com documentos foi encontrada, e a cruz de madeira foi erguida para marcar aquele local como sagrado.
A história foi se espalhando e ganhando contornos místicos e religiosos. O local passou a ser conhecido como a Cruz da Negra, atraindo curiosos e devotos que deixavam cotos de velas e faziam orações. Com o passar do tempo, uma cruz de ferro foi colocada no lugar da original, por iniciativa de José de Deus Barbosa.
DEVOÇÃO POPULAR E SINCRETISMO
Em 05 de setembro de 2021, José Evangelista Lopes visitou o local e encontrou sinais de devoção: restos de velas acesas, orações feitas e uma atmosfera de fé que o inspirou a erguer ali uma capelinha de beira de estrada, mantendo a cruz de ferro como símbolo da memória daquela mulher, que ele passou a chamar de Mártir da Cruz da Negra.
O autor destaca que o caso é um reflexo de um sincretismo religioso ainda muito presente no sertão, onde rezadeiras, curandeiros e benzedeiras fazem parte do cotidiano da população, diante de dificuldades sociais e de saúde. Práticas como o “mau-olhado”, as bênçãos com arruda, e os benzimentos com sal ou linha ainda sobrevivem nas comunidades rurais.
PROPOSTA DE PEREGRINAÇÃO E TURISMO RELIGIOSO
Diante da força simbólica da história, Evangelista propõe que o Poder Público Municipal de Itajá institua o dia 5 de setembro como data oficial de uma peregrinação anual à Cruz da Negra, promovendo o turismo religioso no município e homenageando a mulher que, mesmo sem nome conhecido, representa a dor e a fé do povo nordestino.
Em 09 de março de 2025, foi celebrada a primeira missa no local da cruz, presidida pelo Padre Inácio Lopes, reforçando ainda mais o valor espiritual do espaço.
UM LIVRO PARA A ETERNIDADE
Com o novo volume da coleção “Sertão Raízes”, José Evangelista Lopes não apenas resgata uma história esquecida, mas imortaliza uma mártir anônima, uma mulher negra cujas dores e silêncios agora ganham voz. A obra promete emocionar e impactar leitores ao tratar com sensibilidade e profundidade um dos episódios mais marcantes do imaginário itajaense.
A HISTÓRIA!
A MÁRTIR DA CRUZ DA NEGRA
(Por Evangelista Lopes)
A Cruz da Negra é um local onde caminhos se bifurcam no meio do misticismo, sob o aspecto do medo e do assombroso. Quando estudante no Internato do Colégio Padre Tertuliano, em Santana do Matos, nas férias de junho e dezembro, sempre descia para minha cidade natal (hoje ITAJÁ), onde visitava os meus familiares e, ao mesmo tempo, ter merecido repouso e descanso do puxado ano letivo.
À época, a entrada para o ITAJÁ, ficava na Acauã, próxima ponte sobre o Rio Piranhas-Açu, portanto, um pouco distante. Dada distância, eu sempre optava para descer o carro na Cruz da Negra. Naquela estrada, onde hoje se encontra pavimentada, já se via uma grande cruz de madeira fincada no lajedo, no meio da estrada. A cruz, então, verde-escura, estava fincada no meio da estrada, de frente, como se simbolizando o passado de alguém que, naquele lugar fúnebre e hostil, perdeu a vida.
Sempre me causava uma certa curiosidade saber sobre a Cruz da Negra, e, com o passar do tempo, fui indagando ao meu pai adotivo, o Sr. João Varela e à sua filha Laura, sobre o ocorrido. Certa feita, Rafael (filho de Itamar), me disse que, ali, foi degolada uma mulher negra. Isso foi entregue à polícia e, depois, o corpo foi sepultado no Cemitério Público de Itajá. Ouvi, também, de Laura, que o leito foi bebedeira, água num alguidares, ou numa quebada-de-coco, pois o pai estava com muita sede, sem quaisquer vícios de bebida alcoólica.
Era, mais ou menos, 11:00 h da manhã, quando a família se encontrava alojada, saboreando um delicioso almoço, quando o patriarca João Varela, ao ver aquele objeto sobre a mesa, constrava um alguidares de barro, abastecido de água macassá, uma pequena raiz. Nesse momento, sem nenhuma malícia, o Sr. João Varela e sua filha Laura, ofereceram aquele singelo objeto de pronto, e, de pronto, ele bebeu aquela água. Nesse exato momento, João Varela e sua filha Laura, estavam naquele momento, de frente à cruz, com o Sr. João Varela e sua filha Laura, assustados! O misticismo encarregado de um sincretismo religioso, já presente no ITAJÁ. Inicialmente, perguntei-lhes: só aquela família gostava de morar naquele lugar? e, como resposta. A única indagável:
– Aquela mesma família que ali bem como pastava, e, voltinha indagável: só essa família gostava de morar naquele lugar?
Soube-se, mais adiante, que a mulher foi encontrada à margem da estrada, morta, com sinais evidentes de fome. Somente depois, foi encontrada sua bolsa, com documentos, e, uma cruz de madeira fincada, simbolizando a dor, e o sofrimento. Não se sabia de onde viera, nem seu nome, nem de onde partira. Apenas se acreditava que, por ser mulher de cor negra, segundo relatos, e tinha alguma caridade humana? Não soube precisar quem teve a ideia de quem foi o benfeitor dessa caridade humana?
Soube-se, posteriormente, que essa pessoa seria João Etelvino Lopes, que morava em sua Fazenda Maracajá, à beira da Rodovia Federal (BR 304). Nessa minha nova pesquisa, tomei conhecimento que o ocorrido, teria sido por volta do ano de 1943, quando da morte da infelizitada mulher negra. Pelos relatos do Sr. João Varela e de sua filha Laura, chego à conclusão de que, em 1943, ele não morava naquele funesto local, onde morreu àquela Mártir da Cruz da Negra.
Por oportuno, registro que, no dia 05 de setembro de 2021, fiz uma visita à Cruz da Negra, em pleno tabuleiro, bem perto da Rodovia BR-304. Em ali chegando, encontrei uma cruz de ferro com 1 metro de altura, colocada por José de Deus Barbosa, substituindo a anterior, que era de madeira, e bem maior. Fiquei surpreso, mesmo, ao encontrar no pedestal daquela cruz, sobre um lajedo, cotos de velas, mostrando que pessoas devotas vão, ali, pagar promessas por algum pedido feito à Mártir da Cruz da Negra. Cria-se, portanto, uma espécie de sincretismo religioso, com suas credencias populares. Por essa razão, resolvi edificar uma “capelinha” de beira-de-estrada, sobre um lajedo, cravando àquela mesma cruz de ferro, que ali já se encontrava, colocada por José de Deus Barbosa.
Sobre esse assunto de Crenças Populares, realizei inúmeras pesquisas realizadas no Vale do Açu, principalmente no meu torrão natal, o ITAJÁ, comprovando a existência de um estado de empatia mágica de intranquilidade, de transferência para as ações alienadas dos problemas, que lhes são parecem sem solução, do ponto de vista econômico-social.
As repetidas expressões em que o apelo às divindades é formulado, dão a entender esta insegurança e esta incerteza para menores fatos da nossa vida corriqueira. Assim, o mágico se associa aos problemas do cotidiano, para todos os atos da vida. No caso das doenças, por exemplo, as bençãos e a ação do curandeiro, da benzedeira, a feitiçaria, o mau olhado, são fortes expressões que indicam este teor mágico.
Com a penetração do espiritismo no Interior, o mágico vai perdendo sua influência e, grande número de curandeiros e benzedeiras, obtém hoje, o poder da cura e de intervenções, neste ou àquele sentido, através dos espíritos. No ITAJÁ, porém, a prática do espiritismo, ainda não é conhecida, uma vez que funcionam, domesticamente, as rezadeiras, benzedeiras e curandeiras que se encarregam, através de orações, de tratar as doenças, resolver outros casos, até mesmo de problemas amorosos, entre tantos outros que lhes são apresentados.
Muito comum, é o “mau-olhado”, ou seja, o poder de pessoas transmitir o mal às plantas, animais e, até mesmo, às crianças, de tal forma que há uma prevenção contra essas criaturas, quando lhes são apresentadas a estranhos ou visitas. Para se livrar de qualquer responsabilidade, o estranho ou visitante, repete logo o característico “Benza-Deus”, depois do elogio costumeiro.
Ao fazer a benção, em caso de “mau olhado”, comumente, com um agalho de arruda ou de pinhão, acredita-se que, por simpatia, transfere-se o “mau olhado” e, o galho da planta utilizada, murcha imediatamente. Quando se trata da cura de trilhamento (torções), o benzedor ou benzedeira, se mune de uma agulha com linha e, à medida que se vai fazendo cruzes sobre a parte afetada, repete mais ou menos, o seguinte:
– O que cura? Carne trilhada, nervo torto, junta desmentida, (ou que for)... eu te curo, eu te coso com os santos poderes de Nosso Senhor!!!
Costumam, ainda, algumas benzedeiras, ao mesmo tempo que cozem, molhar a parte afetada com um saquinho cheio de sal ou cinza de fogão. Essa experiência de bênção, eu vivi quando ainda criança, no meu rincão, o ITAJÁ.
Era bastante sofrer uma torção no pé ou qualquer machucão adquirido numa pelada de futebol, para que eu fosse prontamente por Mãe Naninha (minha avó, por parte do meu pai adotivo, Chico Cândido), a fim de riscar ou benzer, pois ela, era a mais eficiente “rezadeira” do lugar.
Pelo que constatei, in loco, vendo aqueles cotos de velas sobre aquele lajedo, sugiro ao Poder Público Municipal de ITAJÁ, proceder uma peregrinação anual, em visita à Cruz da Negra, a fim de incrementar, no Município, o turismo religioso. Fica, portanto, a minha sugestão, para reverenciar à MÁRTIR NEGRA, tendo como data do tal evento, o dia 5 de setembro, quando ali estive e acendi 7 velas, in memoriam àquela mulher negra. Por oportuno, dou ênfase ao empenho de pessoas como Delson, Josimar, Gildenor, Josias, Aldenor, entre outros, que abraçaram a ideia de levar a efeito essa causa, mais do que justa, para homenagear a grande Mártir da Cruz da Negra. É de bom alvitre, felicitar o nosso Pároco, Padre Inácio Lopes, pela primeira missa celebrada naquele local, em data de 09 de março de 2025. Fica, então, o registro para posteridade.
NATAL, 05 DE SETEMBRO DE 2021.
JOSÉ EVANGELISTA LOPES